Páginas

2010-08-01

Ensaio sobre a paixão


Crônica publicada originalmente em abril de 2007

Lorelay bateu à porta do quarto do irmão. Ela o ouviu dizendo que podia entrar e colocou a cabeça antes de realmente entrar. Ele levantou os olhos do livro e exclamou:

– Rory!
Lorelay detestava aquele apelido. Fora o irmão que fizera questão de colocar.
– Lorelay é um nome impronunciável por um oriental – ele dissera.
– E por que não com l’s? – ela indagara.
– Ia dar na mesma – ele simplesmente dera de ombros.
Novamente Lorelay foi pedir ajuda a Tobia. Apesar de cinco anos mais velha, ela sempre pedia conselhos ao irmão. Desde o dia que ele nascera ela via nos seus olhos que ele era capaz de entender qualquer coisa. O garoto se mostrara um grande enigma para ela. Quase não chorava quando bebê, mas demorara um tempão pra aprender a falar, embora poucas semanas para aprender a ler. Era uma criaturinha mirrada e encurralada, enquanto ela sempre fora grande para sua idade. Eram opostos que se completavam. Ele era calado e taciturno, embora fosse extremamente doce com a irmã, ela era expansiva e falante.
– Entra logo – ele mandou.

A moça entrou no quarto e o olhou com o olhar que esperava que ele adivinhasse tudo antes dela ter de falar ao garoto os problemas, mas ele não dava o braço a torcer.
– Fale logo, que se soubesse ler pensamentos você ia ser a primeira a saber – ele disse irredutível.
– Você lembra do Sergio? – ela indagou a contragosto.
– Lembro – ele respondeu – Você me disse que estava apaixonada sentada nessa mesma cama, com essa mesma cara de náufraga.
Um olhar cortante perpassou o rosto de Lorelay. O irmão imediatamente pediu desculpas e começou a acarinhar a irmã. Por mais mordaz que fosse ele não conseguia deixar a irmã ferida.
– É que ele não gosta de mim – ela explicou.
– Isso já me parecia claro.
– É que eu pensava que ele gostava de mim – ela tentou explicar – Parecia que ele tinha algum tipo de atração por mim.
– Parecia?
– Sim – ela explicou – Ele pegava em minha mão, dava-me abraços sem motivo, comentava meus adornos, sempre falando comigo, mesmo quando não tinha assunto, preocupado comigo...
– E... – ante o olhar da irmã ele completou – E se ele faz tudo isso por que raios você acha que ele não gosta de você?
– Ele nunca faz mais que isso – ela retrucou.
– Talvez ele seja tímido! – Tobia argumentou.
– Que nada! – Lorelay teima.
Tobia olhou para a irmã. Ele notou que ela não vai se convencer de que a grande batalha que há entre um tímido e o mundo pode estar ocorrendo até no mais articulado dos oradores. Ele resolveu mudar o foco.
– E o que você quer fazer?
– Eu quero esquecê-lo – ela respondeu com muxoxo.
– O melhor remédio para uma paixão é arranjar outra – ele estipulou.
– Mas podem pensar que sou fácil! – ela retrucou.
– Por se apaixonar?
– Sim. As pessoas culpam as pessoas por se apaixonarem quando estão enamoradas, compromissadas, casadas...
– Não. Elas culpam pelo mesmo motivo sob duas facetas: ignorância – Tobia explicou – Ignorância em saber que não deviam julgar... E ignorância em ter medo de ser traído... Se você quer justificar traições, assim sendo você está equivocada. Você tem todo o direito de se apaixonar a qualquer momento. Não vejo um só motivo que pode haver para se trair alguém e cometer um adultério. Somente isto.
– É tão fácil falar... – ela argumentou.
– Se fosse difícil talvez eu não falasse – ele replicou – No entanto, não disse que seria fácil como olhar para o outro lado... Mas me responda: Seu coração manda em você ou você manda em seu coração?
– Que absurdo! Não se pode mandar no coração – ela argumentou.
– Por isso sofres...
– Você não entende nada de paixão! – ela retrucou ríspida.
Tobia pesou que fora ela que fora falar com ele, não o contrário, mas não magoaria a irmã por tão vã razão.
– Vejamos... – ele disse.
“A paixão é um ser que não pode ser auto-suficiente. Ele deve ser alimentado por outrem, se você alimenta sua própria paixão ela provavelmente será egoísta o suficiente para não deixar você ser feliz”.
“A paixão é o objeto da paixão... Não, eles não se confundem. Apenas é assim. Não há paixão sem o que desejar, sem o que amar. É um impressionante estado de espírito em que se experimenta o mundo de forma diferente. É quando o dia parece mais claro e a noite mais estrelada, embora o horizonte possa estar nublado pelas dúvidas. É quando se concorda com todas as canções piegas”.
“É ser capaz de notar o imperceptível. É notar como ela aperta os olhos quando sorri, como as maçãs do rosto enrubescem. É ser capaz das mais esdrúxulas metáforas. Como dizer que esse sorriso dela é como a criação de uma poesia. É se arrepender de toda falta de perspicácia. É o que faz o mais anosmático dos humanos admirar a fragrância de outrem”.
“É ser tangido pelos mais estranhos desejos. É querer tomar banho de chuva, é querer atravessar o oceano a nado. É querer do último beijo ao primeiro sorriso. É animar-se e frustrar-se com um sorriso, dependendo apenas da direção para a qual ele é dado. É sentir o mais vil dos ciúmes, a mais resplandecente das alegrias, a mais frustrante das dúvidas, a mais desalentada esperança”.
– Tobia! – Lorelay exclamou boquiaberta – Você já se apaixonou?!
Tobia apenas sorriu com aquele costumeiro sorriso salgado que intrigava Lorelay.

Nenhum comentário:

Postar um comentário