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2010-07-06

Os livros de minha vida...


Os livros de minha vida não são aqueles que li que me foram mais importantes. Não são os que quis escrever... Mas são livros que dizem respeito a mim desde meu nascimento.

Até hoje sei de dois: “Os Estatutos do Homem” de Thiago de Mello e “Cartas a Théo” de Vincent van Gogh. São livros que me cercam desde o nascimento, embora tenha passado décadas até lê-los... O primeiro em minha segunda década, entre 15 e 17 anos, e o segundo na minha terceira, aos 23.

Estatutos do Homem não é o melhor poema do mundo, mas é ao menos doce... Thiago, eis o nome do autor. Este seria meu nome. Não sei quantos thiagos há em minha geração, mas há muitos. Um nome é tão importante, cada coisa tem seu nome, algumas mais de um, não queria que fosse algo tão comum...
Cartas a Théo é nada mais do que isso. Cartas de Vincent a seu irmão Theodorus, a quem o pintor chamava carinhosamente desde a infância de Théo. Nesse, primeiro de dois livros que conheço que encerram meu nome em seu título, Vicent fala com seu irmão sobre sua vida, suas angustias, sua arte.
Mas o que faz esses livros serem os livros de minha vida? Por que não obras mais famosas? Mais complexas? Por que não alguns que narrem aventuras épicas que tanto aprecio? Esses livros estão em minha vida sem minha intenção. Aquele tipo de coisa que se atribui ao destino.
Os dois livros entraram em minha vida na época de meu nascimento. De todos os presentes que meu pai podia comprar para um recém-nascido, ele escolheu um livro. Coincidência? Destino? Chame do que quiser... No dia de meu nascimento, o primeiro presente de meu pai foi um livro. Um livro de um autor chamado Thiago, nome que meus pais especulavam me dar... Mas não era um presente para um recém-nascido, então só o receberia muitos anos depois.
Mas meu nome não foi, nem é Thiago. E tudo graças a Vincent van Gogh. Recebi o nome de Théo. O nome carinhoso com qual Vincent chamava seu irmão. Théo financiou a obra do irmão por muitos anos, sempre o incentivando a pintar, por mais sombrios que fossem os pensamentos de Vincent.
Quando soube que meu nome vinha do irmão de van Gogh sempre o idealizei. Mas idealizações não são permitidas aos coadjuvantes. Apesar de ter feito negócios com quadros de Monet, Degas, Gauguin, entre outros, só vendeu um único quadro do irmão. Por que, se hoje considerado um dos difusores do Impressionismo, não conseguiu ajudar o irmão?
O trabalho de Vincent e uma parte dessa figura idealizada de Théo nos chegou graças a esposa dele, Johanna. Johanna foi a verdadeira difusora da obra de Vincent, e quem organizou a primeira publicação que colecionava as cartas do pintor ao irmão. Essa Johanna tão gentil em descrever seu marido, e o casamento de apenas um ano e meio a seu filho, foi uma coadjuvante ainda menor de uma importância tão grande. Johanna que foi vítima de uma tentativa de assassinato, junto com o filho ainda bebê, por parte de Théo. Ela voltou a escrever seu diário, no intento de que seu filho conhecesse sobre o pai, e a obra do tio, de quem o garoto herdou o nome.
Não adiantaria a gentil idealização de Théo feita por Vincent em suas cartas, ou por Johanna em seu diário. Tal indulgência não é dada aos coadjuvantes. Não se permite pensar que Théo foi um dos mecenas mais importante para o Impressionismo... Ele foi um aproveitador que revendia com lucros absurdos e injustos os quadros desses pintores. Ele não foi um empregado modelo, mais jovem da Goupil & Cie... Foi considerado um maluco por seus empregadores. Não tinha visão a frente do que seria o Impressionismo... Foi um tolo que prejudicou a galeria. Não foi o único que incentivou o trabalho de Vincent... Foi um mecenas, envergonhado do trabalho do irmão, que só conseguiu vender uma única obra do pintor: Die Rooi Wingerd (A Vinha Encarnada). Não foi uma ligação fiel ao irmão que o levou... Ele morreu num estado terminal de demência causado por sífilis. Não acompanhou seu irmão ao túmulo... Seu corpo só foi exumado vinte e cinco anos depois de sua morte, quando foi enterrado junto ao do irmão em Auvers-sur-Oise.
Talvez essas coisas falem sobre mim, mais do que eu goste, aceite, ou mesmo compreenda. No entanto recebi meu nome por um livro; tive como primeiro presente de meu pai, um poema que não aprecio completamente. Não gosto completamente nem do poema, nem de meu nome... Nome de um coadjuvante que admiro, embora não quisesse o mesmo destino. Pois isso foi tudo que Théo van Gogh foi: um coadjuvante na história do Impressionismo. E aos coadjuvantes não está reservado nem grandes feitos, nem sequer uma versão romântica de sua história.
Nisso vejo meu destino, algemado a livros desde meu nascimento, herdando um legado de um nome que significa em grego, deus, que é a minimização de Theodorus, presente de Deus, que foi um dos mais importantes coadjuvantes na história da pintura. Qual meu papel? De um recém-nascido que teve como primeiro presente um livro, um poema? Que tem no nome um peso que não queria, e um legado que admira, mas o assombra e o aterroriza?
20 de Julho de 2009

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