Páginas

2011-01-17

Adaptações feéricas


Depois de assistir Disney's Tangled é fácil sair do cinema pensando que se viu a melhor adaptação de contos de fadas de todos os tempos. Adaptar contos de fadas deve ser uma tarefa descomunal, afinal é transformar uma história universalmente conhecida numa desconhecida. Mais do que isso, tem de contar a mesma história. A Disney tem feito isso com primazia ao longo das décadas, desde sua Branca de Neve até agora com Tangled.

O filme é primorosamente executado, talvez o detalhe da apresentação em 3D crie uma dianteira desleal aos demais, mas os adventos tecnológicos são apenas detalhe em vista da primazia literária embebida na produção.

A Disney tem uma fórmula para adaptar contos de fadas envolvendo animaizinhos inteligentes, por vezes falantes, comicidade e musical, mas isso é detalhe frente a genialidade que conseguiu inovar um dos contos de fadas mais chato e conhecido do mundo. Por sinal, musicais são muito chatos.
Como transformar a história de Rapunzel numa história nova e com certeza melhor? O truque foi se fazer algumas perguntas sobre a história. Perguntas como: por que raios a bruxa iria prender a guria na torre? Por que ela nunca cortaria os cabelos da Rapunzel? Sério?! Pra ter um modo de subir na torre?! Que raio de cabelo é esse que serve de corda?
É um conto de fadas, mas a vagueza com que eles são tratados por vezes são os motivos que fazem histórias desse estilo parecerem tolas. Dado o truque, já que se trata de um conto de fadas é hora da verdadeira mágica. Que modo mais simples do que responder as perguntas que enfraquecem um conto de fadas do que com magia? Pois é, as perguntas acima foram respondidas com a inserção de magia. Para as respostas basta assistir o filme...
E responder essas perguntas com magia fez todo o trabalho, a assinatura da Disney e seus números musicais, animais inteligentíssimos no plano secundário de narração, são meros malabarismos frente a pura e real mágica que foi desenvolver uma história que respondesse as perguntas tão óbvias. Elas foram respondidas com talento por Dan Fogelman e a equipe da Disney.
Outro conceito fundamental foi dar uma personalidade para Rapunzel. Não uma personalidade rasa e inócua, mas o espírito de uma garota meio ingênua e receosa, mas cheia de atitude. Também deram uma personalidade para o par romântico da moça. Quem já viu o trailer sabe que não se trata de um príncipe encantado que meramente aparece para dar um beijo mágico. No caso empregaram um gatuno muito do malandro para fazer as vezes de príncipe encantado.
Uma reutilização eficiente que já tinha mostrado seu valor na adaptação de “A Bela e a Fera” é apresentar o modo como o casal se apaixona. Ninguém tem paciência para acreditar que do nada um sujeito vai enfrentar dragões e espinheiros para salvar uma donzela adormecida e ela vai se apaixonar pelo tal. O comentário social de aceitar o camarada só porque ele é príncipe fica só enunciado... Além de que esses príncipes que se apaixonam só pela aparência da moçoila são um péssimo exemplo pra para continuar deixando só nos enunciados...
O problema da literatura é não admitir fórmulas, mas pelo menos é possível analisar a arquitetura básica de uma boa adaptação de contos de fadas: responder as perguntas que deixam a história tola, mesmo que com magia; dar personalidade as personagens, princesas que simplesmente caem adormecidas são frustrantes e chatas; desenvolver o romance entre a donzela e o príncipe, no lugar de dar um exemplo idiota de como as pessoas poderiam se apaixonar a primeira vista. No caso da Disney eles ainda assomam uma assinatura que deixa a coisa divertida: animais geniais em papeis secundários provendo comédia; e o estilo de musical.
Mas uma coisa é fundamental, a mesma história tem de ser contada. No caso de Tangled está praticamente tudo da conhecida história de Rapunzel e suas gigantescas tranças... Ampliado e melhorado, com um preenchimento esmerado de cada um dos aspectos da arquitetura analisada. A genialidade de toda adaptação não está no que se conta, mas no modo que se conta. Não basta saber a arquitetura, não basta conseguir enumerar as perguntas é necessário dar boas respostas, e nisso Tangled é primaz, uma lição para todo escritor, talvez mesmo uma lição para cada pai e mãe de como contar sua própria versão ao colocar suas crianças para dormir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário