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2010-06-22

Em um segundo


Dizem que o jogo pode mudar em um simples segundo. Eu acredito nisso e em muitas outras alegorias do esporte. Estávamos ganhando. Era uma vitória simples, os adversários estavam quase sem chance de seguir em frente na competição. Não era a final, não era como se fosse dar o título para eles, mas a vontade, a disposição deles estava mostrando para mim algo que não via em meu próprio time.

O que via no meu time era uma soberba, uma arrogância. Eramos favoritos, eramos superiores. Sabe o que era mais bonito? Nada disso importava para nossos adversários. A derrota não era uma opção. Mesmo sendo inferiores, em técnica, em tática, em talento, eles estavam tentando compensar com o esforço.
Uma derrota poderia nos tirar da competição, na verdade o único modo deles seguirem em frente seria se os demais resultados nos desclassificassem e eles ganhassem. Não pude conter o sorriso quando eles empataram. Não era um resultado que os levasse a lugar algum, que nos impedisse, ou mesmo que fosse sustentável pelo jogo que estávamos jogando. Tínhamos possibilidade de ganhar, toda a perícia necessária...

E por tudo isso aquele lance alenteceu em minha mente, a bola era minha, mas não havia bola perdida para nossos adversários, não havia lance que eles não persistissem, insistissem, batalhassem. Era um lance simples, bastava fazer o que devia com a bola e eles perderiam o lance.
Foi nesse momento que o mundo congelou. Eu não escreveria história se simplesmente ganhasse, mas se eu desse a vitória para aquele pequeno adversário.
Talvez eles tenham me conquistado pela determinação, pela persistência, eu fui um jogador a mais no time deles, por isso posso dizer que eles ganharam.
Eu não entrei para o esporte para ser mais um que apenas persegue cegamente a vitória e esquece o que é superação, o que é belo no esporte. E algumas vezes, algumas vezes, isso quer dizer dar a vitória a outros, dar o direito de um adversário mais fraco, mais corajoso e persistente ter sua chance, fazer história. Se eu esquecer disso vou esquecer o que tanto amo no esporte.
Era tão simples e indefinido o que poderia fazer, mas tão transformador que fiz. Me deixei cair. O lance era meu, a bola era minha, mas essa simples falha poderia colocá-los a frente. Milhares de coisas poderiam acontecer depois. Talvez ainda fosse um teste... Eles eram tão motivados assim? Eles iam fazer a diferença? O esforço ia extrapolar as limitações e fazê-los passar a frente? Sei que eles marcaram.
Sei que ia ser crucificado, mas nessas horas o esporte vale mais do que o nacionalismo. Além do que, por que meu nacionalismo valeria mais do que o deles? Pode ser que as vitórias e títulos que conquistei sejam esquecidas depois disso.
Nem sempre ganhar é o mais importante, algumas vezes o espetáculo é mais importante, a história é mais importante. Eu não entrei para perder. Eu entrei para ganhar e seria um desrespeito aos meus adversários se fosse diferente, seria um desrespeito aos meus companheiros, a mim e mais importante, seria um desrespeito ao sentido do esporte. Mas meus adversários também entraram para vencer. E era nítido que em cada um deles essa vontade era superior a soma de todo o meu time.
Definitivamente, sem mim a história seria diferente. Talvez isso tenha sido o que mais me motivou. Não interessa em que lado da história se está quando se faz a história, afinal ela é espólio dos vencedores, serão eles que justificarão suas ações, serão eles que serão enobrecidos pela audácia e capacidade. Eu carregaria esse pequeno segredo, que se a história fosse escrita a partir dali eu seria a vírgula que mudaria o significado de tudo, e isso, isso vale mais do que qualquer vitória. Construir uma história de superação é mais interessante do que simplesmente alcançar a vitória.
Talvez fique lembrado pelo lado triste da história, mas se essa é minha oportunidade de fazer história, de fazer parte de um momento tão belo do esporte, eu agarro a oportunidade.
Meu nacionalismo está na inevitabilidade, está na certeza de que essa derrota não será nossa última chance, e talvez na descrença deles terem outra oportunidade. Pode ser que esteja enganado, que essa não seja a última oportunidade deles, mas só consigo acreditar nisso se eles ganharem hoje. Acredito que a decepção seria muito pior. Outros campeonatos virão para ambos, e por isso, para dar a eles a oportunidade que eles acreditem nesses próximos campeonatos, que simplesmente fui ao chão e deixei a bola passar. O que estaria a seguir era completamente com eles. Talvez com a simplória esperança que eles um dia façam a mesma coisa por outros. Pois é isso que acredito que é o esporte: uma torrente de superação, fluindo, mutante, transformando derrotados em vencedores, vencedores em altruístas derrotados, superando desafios.

Um comentário:

João disse...

Deixa eu ver se eu interpretei corretamente o texto: o cara deixou a bola passar de propósito, foi isso? Se foi, eu fico com pena do time adversário, que apesar de ser inferior, lutou com garra, com gana, superação, e no final das contas, a chance de vitória veio de um momento de de pena, do adversário, o narrador do texto. O adversário deixar ganhar pode ser mais humilhante que uma goleada...

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