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2009-06-30

Finalmente o fim


O sujeito entrou na sala empoeirada. Era um verdadeiro achado arqueológico. Era quase divertido achar aqueles velhos depósitos. Novamente vãos intentos da soberba humana. Registrar a história da humanidade? Que grande tolice.
Ele chegou a tossir, poeira demais. A maioria dos livros estava pronta para se pulverizar. Ele não estava interessado nos quadros, ou nas molduras que sobraram do que um dia enquadraram grandes obras. As estátuas eram divertidas, pareciam desgastadas, mas tinham sobrevivido.
Ele ignorou tanto as intricadas e insondáveis como as que ele reconhecia formas humanas, formas animais. Nada daquela arte representava nada. Mas ele acabou achando: eletrônicos. Não de um modo que os contemporâneos a ele fariam, nem a que os contemporâneos de alguns daqueles livros armazenados entenderiam.
A voz chegou quase como um sussurro, mas o alertou. Ele tentou ser rápido, apanhou os dispositivos que armazenavam a informação e levou embora. Viu a luz lá fora e olhou para a fêmea.
– Estou aqui Eve – o homem anunciou saindo dos escombros.
A mulher ficava preocupada com aquelas ações do sujeito.
– O que você tanto busca Adam?
O nome dele não era realmente Adam, mas como os pais dela tinham feito aquela grande piada de a chamar de Eve ele adotou o nome.
– Nada importante... – Adam respondeu – Talvez uma resposta, um sentido, um objetivo.
Para Eve continuar viva era o suficiente, mas Adam parecia incomodado com algo. A criatura mecânica se aproximou dos dois. A face sem qualquer rosto seria desconcertante para alguns, tinha sido por um tempo para Adam.
Sem pronunciar palavra a criatura apanhou os objetos resgatados por Adam e os examinou. A maioria estava sem salvação, mas alguns registros podiam ser lidos.
– Vamos embora – Eve pediu – Rápido!
Adam levantou os ombros como se aquilo não fizesse diferença. O veículo se aproximou, eles embarcaram e partiram.
– A Velha Terra me dá arrepios – Eve anunciou.
Adam riu do comentário. Velha Terra era como Eve chamava aqueles velhos sítios arqueológicos de uma época antiga. No começo ela se perguntava como aquilo tinha acontecido, que tipo de guerra ou cataclismo teria soterrado cidades inteiras. A máquinas que os servia finalmente concluiu que fora o próprio tempo, a ação natural, mas o que levara a ser abandonada ou ela guardava para si ou também não concluíra.
– Por que você chama de Velha Terra? – Adam indagou novamente – Todo o planeta está assim... O que você chama de novo? Nosso acampamento?
Eve envergou uma expressão de desprezo. Ela detestava quando Adam a confrontava com aquelas coisas. O sujeito era antagônico. Parecia não ligar para o que a Terra se tornara, mas se importava em buscar aqueles fragmentos de informações do passado.
– O que você está fazendo?! – ela indagou quase gritando com o autômato.
– Indo rapidamente para o acampamento – A criatura respondeu na voz impassível de sempre.
– Não passe pela colônia! – Eve ordenou.
Nos circuitos subatômicos que formavam o que se poderia chamar de mente daquela máquina ela até pode ter ficado contrariada, mas atendeu a ordem imediatamente. O rosto sem face não deixaria Eve saber nunca.
– Não trate a máquina assim – Adam pediu.
– Como se ela se importasse – Eve rebateu com alguma expectativa, mas o autômato continuou silencioso.
– Isso não dá o direito de você destratar a única coisa que nos mantém vivos – Adam replicou.
Eve ignorou o comentário e indagou para a criatura:
– Algum sinal de outros humanos?
– A esperança dos humanos deveria ser considerada patética até para eles mesmos – a criatura comentou no lugar de uma resposta – A chefe acredita mesmo que a máquina esconderia essa informação quando foi explicitamente indicado que qualquer sinal de humanos no planeta fosse reportado?
Aquelas nesgas, rompantes de ironia intrigavam Adam e irritavam Eve. O tom frio, impassível com que dirigia cada sentença, sem nenhuma variação desconcertava os dois mais do que eles gostavam. Ambos tinham chegado a conclusão de que viver somente com o autômato seria enlouquecedor.
O veículo parou as portas do acampamento. Eles entraram. Adam olhou em volta e ficou considerando como teria sido o mundo que as eras passadas da humanidade tinham visto, vivido. Eve o arrastou pelo braço para dentro do abrigo.
O automato recuperou as informações que pode e disponibilizou para averiguação dos humanos. Adam sentou e observou o conteúdo. Eram textos antigos, o serviçal mecânico os traduzira antes de disponibilizar. Tratava-se de textos lúgubres de certo modo. Uma coletânea de opiniões, justificativas e procedimentos a respeito de suicídio e um conjunto de artigos justificando a parada da procriação.
Eve não gostou daquilo. Na colônia havia pessoas que não queriam se reproduzir, eram uma minoria, mas simplesmente pareciam não ligar para o rumo que as coisas tomaram. O terremoto acabou com qualquer discussão que pudesse haver. Aqueles autômatos sobreviveram, afinal nem podiam morrer, já que nunca estiveram vivos, mas Eve e Adam escaparam.
Não havia muitos humanos na colônia, e os dois enviaram os autômatos ao redor do globo para buscar outras colônias. Tinha sido uma ação inútil. Não havia mais humanos sobre a face da Terra.
– Isso faz a pessoa pensar... – Adam sibilou.
– O quê? – Eve indagou.
Adam não pareceu gostar de que ela tivesse escutado. Ele levantou os ombros e desconversou. A mulher insistiu e Adam cedeu:
– Essas pessoas – ele explicou – Não pareciam se importar com a vida, com a humanidade. Seria engraçado contar para elas que só restamos nós...
– NÃO DIGA ISSO! – Eve esbravejou.
Adam meneou a cabeça pesaroso. Ele não gostava que ela não aceitasse. Ela não respondeu, apenas deixou o recinto e entrou na própria cabine. Adam a seguiu. Ele sentou ao lado dela e ficou em silêncio por um longo tempo, por fim ela o abraçou.
– Eu tenho tanto medo – ela choramingou.
– Não há o que temer – Adam consolou.
– Você acha que eles estavam certos? – ela indagou.
Adam sabia que ela estava falando dos próprios pais. Adam não lembrava dos próprios pais, não lembrava de nada antes do terremoto só de acordar e ver o automato e Eve. A máquina o examinara e indagou se ele queria saber o motivo de não se lembrar. Adam disse que não. Não faria diferença.
– A respeito do quê? – Adam perguntou.
– Deus...
Eles leram em muitas coisas que acharam, fazia parte da própria cultura de Eve, já que Adam não lembrava de nada: Deus criara o mundo, povoara com humanos, os primeiros foram Adam e Eve. Mas o mundo mudara, diversas coisas aconteceram. Tudo que Eve conhecia era a colônia e finalmente a colônia ruiu e só sobraram Adam e ela.
– Pense assim – Adam tentava ser gentil – Se Deus criou o mundo e ele chegou até aqui deve haver um sentido pra ele. Só restamos eu e você de humanos e essas máquinas que alegam que irão parar de funcionar quando nos formos...
Adam riu. Eve se assustou com aquilo e indagou o motivo.
– Quem diria que seria igual no final... – Adam explicou – Que seria com Adam e Eve.
Ela ficou em silêncio por um tempo, mas por fim indagou:
– Você acha que devíamos... – mas não concluiu a pergunta.
– Nos reproduzir? – Adam completou com possibilidades – Criar cópias de nós mesmos? Reanimar os mortos?
Eve ficou calada. Já repassara cada uma daquelas possibilidades sozinha, com a máquina e com Adam.
– Mas deixar como estar é acatar o que está naqueles textos... – ela replicou amenamente – É não ver sentido na humanidade.
– E que sentido há em continuarmos? – Adam indagou – Tentar voltar a colônia? Um ultimo refugiu dos humanos? Tentar voltar aos tempos antigos? Ou simplesmente deixar a vida e esse planeta seguir seu curso.
– Eu tenho medo de morrer – Eve respondeu.
– Você sabe que a máquina pode prover para vivermos para sempre – Adam retrucou.
– Também não! – Eve replicou – Tenho medo de viver pra sempre também.
– Então por que não continuamos como estamos? – Adam indagou – Ocupando nossos dias com o vazio... Talvez esperando o destino que se impôs até mesmo aos habitantes da colônia. E enquanto quisermos viveremos. Por fim anunciaremos a máquina que não queremos mais e por fim cedermos a morte... Esse mundo ira continuar.
– Quanto tempo faz desde que a colônia acabou? – Eve indagou.
– Não vale a pena lembrar – foi tudo que Adam respondeu.

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