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2009-06-15

Há quem goste do gosto de sangue


Antes de tudo: True Blood é mais uma adaptação literária para a televisão. A segunda coisa a se alertar a respeito de True Blood é: a temática é adulta.
A idéia de “Southern Vampires Mysteries” é interessante: e se os vampiros aparecessem? Não que eles surgissem de um momento para o outro, mas se surgisse uma forma de eles viverem pacificamente junto com a humanidade? O surgimento de sangue artificial, vendido sob a marca True Blood, é apenas uma desculpa simples para uma idéia boa. Como seriam as relações entre humanos e vampiros? É arriscado dizer que as coisas se mantêm do mesmo modo nos romances e nas telinhas.
Uma coisa é certa: as criaturas da noite estão a solta e têm o direito de existir. É claro que como toda ficção especulativa não faz sentido se manter num simplismo tão grande. True Blood começa já apresentando uma criatura diferente: uma telepata. Ela é capaz de ouvir os pensamentos das pessoas. Num mundo de vampiros, fica fácil engolir essa. O que devia ser um dom fantástico se torna uma maldição na vida de Sookie Stackhouse. Que garçonete quer ficar ouvindo os pensamentos libidinosos de seus clientes?
Por falar em libidinoso, é bom tirar as crianças da sala. True Blood não é apenas sensual, há um tanto de Freud no modo das pessoas se comportarem. É assustador a quantidade de pessoas que é representada com interesse sexual em vampiros. Vampiros são outro tipo de criatura? Se essa for a consideração, sexo com eles é um tanto quanto bestial. Já é nojento o suficiente ver vampiros bebendo sangue das pessoas, ver pessoas bebendo sangue de vampiro é medonho.
As atuações de True Blood são de deixar tonto. Tem hora que parece que o diretor não estava nem olhando quando aquilo foi gravado. A única personagem que parece manter uma consistência de expressões é o vampiro Bill.
Tudo parece confabular para um clima de estranhesa, desconforto. As personagens não são tão rasas quanto parecem.
Um detalhe de edição é fascinante: os episódios começam exatamente onde o derradeiro terminou, dando uma impressão de continuidade profunda. Nada de comentários, prefácios, nem prelúdios a cada episódio, apenas a história pura e simples: direta.
Mas não é só de argumento e produção que se faz uma série. É necessário pelo menos mais duas coisas: a estória que se conta e as personagens que a vivenciam.
A estória além de todas as ampliações que se espera ao se construir um ambiente povoado de criaturas sobrenaturais é sobre uma série de assassinatos. Em se tratando de uma série baseada em livros de mistério isso era realmente inesperado? Então além de conviver com o mundo sobrenatural é necessário conviver com um perigo iminente: um assassino a solta.
As relações interpessoais são fundamentais para a estória, principalmente se tratando de uma abordagem tão adulta e sensual.
Já foi definido o cenário, um mundo onde os vampiros dividem os disa, na verdade as noites, com os humanos; a estória, os misteriosos assassinatos na pacata cidade logo após a chegada de seu primeiro morador vampiro... Só faltam as personagens. São muitas então o tratamento partirá da personagem principal e as demais podem ser apresentadas através de seu vínculo com ela.
Antes dos vampiros, a vampira... Brincadeira besta essa. A Vampira dos filmes dos X-Men, Anna Paquin, é dessa vez uma telepata, a garçone Sookie. A atuação dela é sufocante. O que raios ela está sentindo? Cada expressão, cada sentimento é torto. Todas as reações dela são dentro do previsível com uma margem assustadora de inesperado. “Eu esperava por uma cara dessas” alguém pode observar, “mas definitivamente não era ESSA que ela fez”. Um retrato óbvio do absurdo dela é que uma telepata poderia virtualmente chegar a qualquer lugar. Mas definitivamente garçonete de um bar de cidadezinha não entra na conta de “qualquer lugar” da maioria, talvez na conta de “um lugar qualquer”. A moça é tida como doida pelo seu dom. As pessoas notam até com uma atordoante naturalidade o dom dela.
Primeiro as relações familiares da moça. O irmão dela, Jason Stackhouse, interpretado por Ryan Kwanten, é o garanhão da cidade. Ela passeia pela cama, e por outros lugares e itens de mobilha, da maioria das moças das cidade. O sujeito é um imbecil de primeira linha. Se mete em cada situação absurda. Culpa de uma mistura perigosa: tesão e burrice. Ele é o responsável por despir a maioria das moças durante os episódios. Não que a antiga Vampira não mostre o que a classificação PG de X-Men não permitiu.
A avó de Sookie, Adele Stackhouse, interpretada por Lois Smith, é uma velha progressista. Tem de ser moderna para aceitar, e aceitar bem o envolvimento da neta com um vampiro. Ela aceita bem demais por sinal. Não tem muito mais o que dizer dela. É uma velha toda vovozona que adora os netos que criou desde a morte da filha e genro.
O mais novo morador de Bon Temps, Lousiana, é o vampiro Bill, tão logo o namorado de Sookie. A interpretação de Stephen Moyer é muito boa, uma das mais contundentes da série. Ele que apresenta tanto as habilidades quanto as fraquezas dos vampiros. Fraquezas são fundamentais quando se fala de vampiros... Não conseguir parar de beber o sangue da namoradinha não é fraqueza, isso tem de ser deixado bem claro aos leitores de Meyer. Vampiros não são exatamente malignos em True Blood, eles são apenas o que poderia se esperar de humanos que ganham a travessia do tempo, alguns poderes interessantes como uma habilidade absurda de hipnose, regeneração e dentes de serpente... Quem se pode enganar com uma baboseira dessas? Se a galera já não era boa peça viva, imagina morta e cheia de artimanhas. Vampiros são criaturas sinistras, que por mais que tente limitar, esconder, ou minimizar sua maldade são naturalmente corrompidos pelo toque malévolo que lhes foi infligido. Os vampiros de True Blood que aparecem na primeira temporada são condenados como os vampiros que esperamos, a não mais poder sair impune diante da Luz do Sol. Eles tem uma fraqueza sobrenatural a prata. Para sorte de Sookie ela não consegue ler a mente de vampiros, ou isso seria um grande azar? Os vampiros não conseguem hipnotizá-la então fica elas por elas.
Bill é um cavalheiro como muito marmanjo por aí não sabe ser. Já que ele lutou a Guerra de Secessão ele é de uma época que isso era valorizado. Engraçado ver como isso é fundamental para o povo daquela cidade aceitar o fulano. Afinal ele é um herói de guerra. Um dos que lutaram pela independência do Sul e toda aquela coisa que acabou gerando a Ku Klux Klan.
A melhor amiga Sookie é Tara Thornton, interpretada por Rutina Wesley. A morena é bruta, grosseira, boca suja, e uma das personagens mais inseguras da série. Aliás todo mundo tem questões bem particulares a respeito de auto-confiança. A moça é perdidamente apaixonada pelo imbecil do irmão de Sookie. O mais interessante é que ela é uma das poucas que ele não “traça”.
Falando em paixão não correspondida tem a do patrão de Sookie pela mesma. Sam Merlotte, o dono do bar, interpretado por  Sam Trammell tem logo motivo para detestar vampiros, afinal o primeiro que aparece por aquelas bandas leva a garota dele. Ele vai ter de se virar como pode para proteger a moça e tentar conquistá-la... Não que ele tenha muitas armas para tanto.
Ainda há uma dúzia de personagens marginais como as demais garçonetes do bar que Sookie trabalha, a força policial local, os companheiros de trabalho do irmão de Sookie, os vampiros que conhecem Bill.
A primeira temporada terminou com um mistério revelado, mas no minuto final colocou outro para a próxima temporada. Por sinal o mote dessa segunda foi anunciado como “Você está pronto para sangue novo?”. Talvez mais personagens marcantes, talvez mais assassinatos, talvez mais criaturas sobrenaturais, mais intercursos, mas com certeza o mesmo sangue de sempre... Falso como em cada garrafa de True Blood, e real como o que jorra de cada garganta.

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