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2008-08-21

Patriotismo e hegemonias

Tem duas coisas que eu detesto: Patriotismo e hegemonias.

Faz algum sentido as pessoas sentirem apego a um monte de deserto? A uma terra tão intempérie que torne a sobrevivência humana um desafio minuto a minuto? Se não faz, também não faz sentir apego, ou mesmo orgulho por ter nascido numa terra temperada, ou tropical, sem desastres, rica em belezas naturais. A origem de um povo, ou de um indivíduo não diz nada sobre ele. Todos os humanos vieram do mesmo lugar.

Não há superioridade em ser brasileiro, chinês ou americano. Um esquimó no Brasil teria de fazer por si só seu destino, um brasileiro no deserto também. Não entendo o motivo para que as pessoas se sintam tão mais felizes e orgulhosas por serem brasileiras como em épocas de Copa do Mundo de Futebol, Pan-Americano, Olimpíadas. Os atletas fizeram por onde serem os colossos que são. Michael Phelps é fruto de seu próprio esforço. O Brasil é cheio de talentos. E por isso há motivo de orgulho? Claro que não, talentos são encontrados em todos os lugares da Terra, é essa uma das facetas da natureza dos talentos.

Quem não vai a uma Olimpíada para disputar o ouro está desrespeitando o espírito olímpico; nem devia estar lá. Olimpíada não é lugar para derrotados prévios, é lugar de superação. Nem por isso existe razão para se glorificar décimos e oitavos lugares. Só existe um lugar que importa: o ouro. Prata e bronze servem para deixar claro que não é fácil estar no lugar mais alto, é ser o melhor entre os melhores.

Não interessa quantos recordes sul-americanos foram quebrados, só o recorde mundial deve ser almejado. Não importa quanto tempo demorou para se chegar a uma final, apenas ser o melhor em tal final é que vale. O mundo não lembra sequer dos vitoriosos, apenas dos fenômenos. O mundo se esquece de cada recorde mundial, mas nem por isso ele deixa de ser importante, pois é a auto-superação que importa. É mostrar quão longe cada competidor tem de.

A Olimpíada é a oportunidade para aqueles que não são gênios intelectuais, mas de outra estirpe de gênios, darem sua contribuição na constante tarefa da evolução humana, do intangível objetivo de atingir a perfeição.

Esse evento que premia os melhores, coloca cada talento a prova, entre os demais de sua categoria, dessa estirpe diferente que são os campeões. Assim, a humanidade apresenta uma face mais bela.

O mesmo ufanismo que empolga com resultados insuficientes, é o mesmo que alimenta a arrogância dos povos que por vezes são detestados. A história de cada um dos compatriotas é tão mérito meu quanto a dos estrangeiros: nenhum. Não é a terra, o território, a história, aquilo que um indivíduo recebeu arbitrariamente ao nascer, que o tornará um talento... Repetindo: eles estão em toda parte, têm todas as origens.

O mundo assiste a batalha pacífica entre a imagem de um tórrido passado, e um obscuro futuro. Sim, Estados Unidos e China. Eu escolhi torcer pela China por detestar hegemonias, a hegemonia é uma superioridade inútil. Do que adianta subir ao lugar mais alto do pódio se aquilo não teve valor. Do que adianta ser considerado vitorioso, quando a disputa não existiu, ou foi meramente figurativa?

Torço pela China, para que os americanos (enquanto cada talento, não enquanto nação), não se acomodem numa posição privilegiada. Torço para que valha a pena a disputa. Torço pela vitória da China pois são eles que batalham para isso: superar as dificuldades, superar a si mesmos para terem condições de superarem os demais talentos.

Se isso não for a razão da Olimpíada, superação, do que ela vale? Viraria um circo em que multidões se realizam no laço insólito de terem nascido numa mesma área de terra. A beleza das Olimpíadas está em ver o que todos consideram melhor ser superado, é ver as reviravoltas, ou persistência. Vencer os próprios limites para superar os limites adversários.

Michael Phelps é um talento como não parecia que ia surgir tão cedo. Numa época em que os limites estão tão claros, cada centímetro, cada décimo de segundo conta, ele tem uma técnica perfeita. Ser tão bom no que faz deve ser até chato. Ter de pular na piscina dezenas de vezes quando somente oito importam deve ser frustrante. A hegemonia de Phelps, não por ele ser americano, mas pela certeza prévia da quebra de cada recorde, é enervante. Pois essa hegemonia alimenta o patriotismo americano.

Os americanos distorceram a classificação padrão para se colocarem em primeiro. É uma luta tola em favor de um patriotismo torpe. Que houve uma vastidão de atletas americanos no topo, é fato, não há contra-argumentos. É divertido torcer, mas o emocionante é ver a superação, é ver o fantástico, é ver aquela substância, que moldou os lendários heróis olímpicos.

Não pela China, e suas crueldades e equívocos, mas para que as hegemonias não criem uma vastidão de acomodados, que se acomodam no topo, e os que se acomodam sobre a sombra deles. Para o futuro, torcer pelo avanço da Austrália, ver ela crescer, se superar, em Londres, 2012. Torcer para que se torne a próxima potência olímpica, pois se a China virar uma hegemonia, tem de haver choques para os atletas se manterem atentos, e com o desejo de auto-superação, com o objetivo claro de subir ao topo do pódio.

Que a China consiga conquistar mais medalhas de ouro que os Estados Unidos. Cada competição em que a China não está presente é Estados Unidos contra o resto do mundo... Tão importante quanto a China ganhar medalhas de ouro é os Estados Unidos não ganharem.

Abaixo a hegemonia, abaixo o patriotismo. O importante é competir, mas o objetivo tem de ser ganhar. Não importa em que lugar se chegará, o objetivo tem der claro: competir para ganhar.

Um comentário:

batata disse...

Alguns comentários sobre o texto:
Sobre o lance do patriotismo, tipo, assistir uma competição esportiva sem torcer pra alguém não tem graça. Torcer é algo essencial no processo de diversão ao estar assistindo algum esporte. Aí vem a pergunta, torcer para quem? Para times de futebol (aqui no Brasil), a pessoa tem a tendência de torcer para o time dos pais, até adquirir a própria preferencia. Como os outros esportes não tem visibilidade aqui no Brasil, então só dá pra escolher pra quem torcer na hora da competição, aí se a pessoa tiver alguma motivação já influencia na escolha (por exemplo, vc torcer para a China pq não quer que os EUA ganhem). Mas se a pessoa não tiver motivação nenhuma, normalmente é natural escolher os conterrâneos, no caso, os brasileiros para torcer. Quem já tinha ouvido falar em Cielo antes das Olimpíadas? Pois é, nem eu. Mas na final dos 50m estava todo mundo torcendo por ele, pelo fato de ele ser um "semelhante", alguém que viveu e vive uma realidade parecida com a nossa, que poderia ter sido seu vizinho (ou não =D), e por aí vai. Daí pra virar patriotismo, é um pulo... Então não acho que patriotismo seja algo condenável, e sim justificável...

Sobre disputar o ouro ou não: tudo bem, vc está certo no fato que o atleta deve ir para conseguir o outro, dar o máximo de si. Mas não se deve desprezar o 8º ou o 10º colocado. Eles não foram 8º ou 10º do bairro, da cidade, e sim das olimpíadas, do mundo! Só o fato de eles estarem lá já mostra o quanto eles são bons! (ou não, já que o país sede, nesse ano a China, acaba tendo representante em todos os esportes, por pior que seja o país nesse esporte...). Se não são os melhores, paciência. São 6 bilhões de pessoas no mundo, ser o melhor em algo é algo grandioso demais, extremamente difícil. Ser o 10º melhor do mundo também é extremamente louvável, mostra que das 6 bilhões de pessoas no mundo, apenas 9 são melhores que ela...

E pro fim, sobre o Phelps:
Eu torci por ele. Torci contra os EUA nessa olimpíada, mas torci pro Phelps. Tipo, ele simplesmente aproximou mais o homem da perfeição na natação. Mostrou de maneira clara o quão o homem estava distante da perfeição. Não só quebrando recordes, e sim quebrando de maneira humilhante, 2, 3 segundos. É uma espécie de herói grego. Estava torcendo para ele ganhar as 8 medalhas de ouro, bater todos os recordes, poder presenciar na minha vida o surgimento de uma lenda. Daqui a 10, 20, ou quem sabe 30 anos, vai surgir outro cara que vai tentar quebrar o recorde de Phelps de 8 medalhas, e aí a imprensa vai se lembrar de Phelps como o cara a ser batido, e poderei falar aos meus filhos "eu vi ele nadando \o/". Se não fosse o Phelps, o antigo recordista era da década de 70, com 7 medalhas, um cara que eu não tive o prazer de ver. Então, no caso, o herói olímpico da nossa geração é Phelps. Se ele não quebrasse esse recorde, nossa geração poderia ficar sem heróis olímpicos. Bem diferente da época de nossos pais que teve esse cara das 7 medalhas e a moça lá da ginastíca artística. Nossa geração não tinha ninguém espetacular desse jeito, até agora =D

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