Muito já se falou do “Cavaleiro das Trevas” esses dias, mas vou dar minha opinião sobre o filme também. Tentarei não dar nenhum spoiler, mas o texto é mais indicado para quem já assistiu o filme. O filme merece uma série de relacionamentos com as estórias do Batman dos romances gráficos, mas vou deixar para quem sabe mais.
Antes de mais nada: O Cavaleiro das Trevas merece os recordes que vem conquistando. Ao contrário do terceiro Homem-Aranha, esse novo Batman supera as expectativas.
Uma coisa deve ser deixada clara: finalmente um filme do Batman exorcizou o primoroso trabalho de Tim Burton.
O Batman já foi representado de diversas formas no cinema, sendo um quadrinho de várias décadas com diversas fases fica até difícil definí-lo. Batman Begins retratou o atlético Bruce Wayne (Christian Bale)... Aquele Batman era mais um aventureiro do que um herói... O filme de Tim Burton representa a faceta mais obscura, gótica do vigilante. O “Cavaleiro das Trevas” tem uma ótima representação de heroísmo.
Os heróis, falando das metáforas, e aqui se inclui os romances gráficos, carregam um fardo complicado: “Somente as árvores que dão bons frutos levam pedradas”. O trabalho de Stan Lee, na Marvel é primoroso em relação a isso: “Nenhuma boa ação fica impune”, como repete o espetacular Homem-Aranha.
O Batman é uma tragédia, talvez uma das poucas na Detective Comics... Ao contrário da maioria das personagens da Marvel.
Como terceiro fator marcante da faceta heróica dessa representação do Batman está um elemento retratado de maneira novas nos filmes do morcego: Gotham. Se vale a máxima que cada povo tem os heróis que merece, Gotham com certeza arrumou o dela.
Uma coisa é certa nesse novo Batman: nunca o Cavaleiro das Trevas foi tão palpável! Apesar de alguns exageros cinematográficos que têm que aparecer num blockbuster desses, as ações das pessoas, principalmente dos cidadãos está bem realista, verossímil. A figura dos justiceiro tem uma representação fantástica em Watchman de Alan Moore (aguardem o filme...), mas o Cavaleiro das Trevas faz uma narrativa semelhante: qual o preço de se ter um vigilante? E se alguém tomasse as dores da sociedade e resolvesse tentar combater o crime?
Mais importante que isso é a pergunta que parece residir em cada cena do filme: O que define um herói?
Será que a máscara que ele enverga? O mito que ele orbita? Os dons, poderes que ele possui? As escolhas que ele faz? O código que ele segue? Essa nova alegoria do Batman parece ter uma opinião sobre isso: Não é o que ele é por dentro que o define, mas os seus atos. Talvez não seja a melhor definição, mas com certeza é por isso que o herói vai ser julgado.
Qual o preço de ser um herói? Normalmente é pesado... Pode ser uma reparação infinita, como do Homem-Aranha, pode ser o legado das estrelas do Super-homem.
O Coringa e Harvey Dent dão um show a parte no filme. O Coringa, Heath Ledger, é o estereótipo que mais aflige a sociedade: o irrecuperável. Ele representa uma descrença em alguns indivíduos. O que o Batman pode fazer em relação a um adversário sem limites?
Talvez a estória ser tão tangível, se deva a excelente interpretação dada ao Coringa, um vilão materializável, sem super-poderes, sem mega fortunas, apenas com um prazer sádico pelo mal. Não por ser maluco o Coringa é burro... Longe disso! E talvez seja esse o mérito de Heath Ledger: ter dosado tão bem a ordem de uma mente tão maquinador com o lado caótico do coringa. Quero que um jogador de D&D diga qual a tendência desse Coringa... O modo como ele lida com os antigos vilões da cidade, os mafiosos é dantesco e fascinante. O projeto do Coringa é insano, mas cruelmente bem sucedido: modificar a conjuntura. O caos pode ser a faceta óbvia do plano, mas o que está realmente em questão é: diante desse caos, quais os verdadeiros valores? Qual o preço a se pagar ao enfrentar um inimigo sem piedade? Quem é incorruptível? Quais as conseqüências? Façam suas apostas... Mas atentem que o discurso do Coringa sobre o caos é estritamente vazio frente ao plano.
E em meio a todo o caos que o Coringa pode causar está uma sociedade acuada, e um Batman que padece de seus sonhos e de seu código. Como não podia faltar ainda estão lá alguns clichês... Mas não se escreve uma boa estória sem alguns clichês. Até a vida tem deles.
Ao abraçar seu código, esse Batman expurga o Batman gótico de Burton, até a ultima cena... Nada é como no filme de Tim. Mas tudo tem um preço, e esse código vai custar caro ao Batman, chega a custar “Verdade e Justiça”. Vai causar outros tipos de feridas, mas nisso também está uma representação mais adequada do Batman: alguém ferido demais para estar bem... E ainda havia muitas vagas para clichês...
Harvey, Aaron Eckhart, é o cavaleiro de armadura brilhante que Gotham parece precisar. Falar qualquer coisa a mais que isso é correr o risco de estragar a diversão de alguém... Espere pelo surpreendente. Rachel, Maggie Gyllenhaal, é uma mocinha como Lois Lane ou Mary Jane nunca vão ser: forte e ousada. O comissário Gordon é um daqueles que vai ter de lidar com os erros do Batman e a incompreensão da sociedade. Foi uma atuação fantástica de Gary Oldman. Fox, Morgan Freeman, e Alfred, Michael Caine, são os tutores que não permitem ao Batman sobreviver aos grilhões de seu próprio código. Talvez seja injusto um só parágrafo para tantas e tão boas personagens...
Outro ponto a respeito desse Batman é o humano por trás da máscara. Ele está tão preso as emoções e limitações humanas que é possível até sentir dúvida de sua capacidade. O Batman é humano, não é que ele apenas tenha sido, ou nunca tenha sido. Ele está limitado por sua emoções, pelas limitações inerentes ao ser humano. A estória também reflete quem tem de ser forte quando os heróis fraquejam, ou vacilam: aqueles que estão mais próximos. Talvez por essa humanidade ele chegue a abdicar de “verdade e justiça”. É essa limitação humana que talvez imunize Kal-El, ou Diana: nunca ter sido humano, ser uma coisa maior. E o Batman talvez seja isso: a batalha do mundano tentando ser uma coisa maior, fazer a coisa certa... Pena que ele é humano para se render as mesmas fraquezas humanas.
A construção mais fascinante nessa alegoria do Batman é que ele se coloca a altura da tarefa dele. É o Batman que merece o respeito do Superman, é o “Cavaleiro das Trevas” que pode ser realmente chamado de um dos “Melhores do Mundo”.
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