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2008-07-05

Diário universitário página 500

Correr era a única alternativa. Carregar os livros era opcional, mas mostrava-se oportuno algumas vezes. O universitário estava em cima da hora. Ele chega esbaforido diante de uma porta fechada e experimenta a maçaneta: trancada. Se ele pudesse levar na esportiva seria algo do tipo: “é... Não foi dessa vez...”. No lugar disso ele soltou um significativo palavrão envolvendo a progenitora do professor.

Minutos depois ele caminha desconsolado pelo campus. Senta num banco e nota que por alguma razão tem um menininho brincando por ali.

– Você está perdido, garoto? – ele pergunta.

O garotinho aponta para uma moça, até bem parecida com ele, estudando numa mesa próxima. Mães universitárias são mais comuns do que poderiam...

O garoto se senta ao lado dele e o observa com aquela admiração que só as crianças podem demonstrar de maneira tão inspirada.

– Sabe garoto? – o universitário deixa escapar – Sua mãe deve detestar a vida de universitária tanto quanto eu!

O garoto imitou a expressão de desentendimento que deve ter aprendido em algum desenho animado. No lugar de desencorajar o universitário com aquela clara demonstração de desentendimento o sujeito ficou inspirado:

– Ela deve odiar tanto quanto eu, ter de se submeter a quase meia dúzia de chefes diferentes por semestre. Malucos que quando não fazem a função deles, exageram horrores.

- Alguns professores se empenham tanto em ser bons professores que esquecem uma coisa: ensinar não é ser um astro, nem fazer os outros prestarem atenção, é motivar para que aprendam. Sabe qual o grande problema? Você não pode motivar todo mundo. Nem os alunos precisam ter adorado cada uma das matérias que teve de atravessar. Atravessar é a palavra! É mais uma briga contra o sistema, do que realmente aprender algo. Forçar alguém a assistir aula é uma imposição legislativa que basicamente acoberta maus professores: se o cara não veio as aulas ele não deveria passar. Por quê? Como se ouvir por uma, duas, ou mais horas seguidas a ladainha de um professor que ele não gosta de escutar fosse faz-lo aprender. Há uma porção de modos de aprender. Um professor deveria tentar algo que provê essas oportunidades para um aluno. O aluno tem de se sair bem em todos? Claro que não. Tem coisa que eu gostaria de fazer... Tem coisa que me deixa revoltado.

A essa altura o garotinho já estava devidamente interessado em tentar desenhar no banco, não olhando diretamente para o universitário, que não parava:

– Um professor não é melhor que outro pela oratória, se ambos exageram e despendem mais tempo do que é necessário para tratar de algo, então estão no mesmo lugar: desmotivar a pessoa para aquele assunto. O professor pode ser a melhor pessoa do mundo! Pode ser que para a esmagadora maioria dos alunos ele é genial, fantástico, inteligente, bonito, ou o que seja. Não importa as qualidades ou os defeitos do professor ele não vai conseguir agradar a todos. E tenho de ser forçado a ir assistir a palestra de alguém que não quero, quando tenho um método formal para avaliar o que os alunos supostamente aprenderam?! Isso é absurdo. Me dê outro modo que não tenha de aparecer na frente dele!

O universitário olhou para o garotinho, que pareceu um pouco constrangido de não estar prestando atenção. o garoto deveria ter recebido aquele olhar de ressentimento pro não estar acompanhando diversas vezes. O orador continuou:

– Os professores acumulam mais responsabilidade. Basta ver que se um aluno falta a aula ela vai continuar... Se um professor falta então não há aula. Eles que agüentem que tem o cargo mais difícil.

O jovem ficou até um pouco contrariado quando lhe ocorreu:

– Isso tudo só para falar dos que ainda tentam ser bons professores. Há ainda os que acreditam que estão fazendo a coisa certa.

Nessa altura a mãe do garoto escutou aquele estranho falando com seu filho, guardou as cosias e se levantou.

– Não acho que ele esteja entendendo – a mãe do garoto se aproximou.

– Deve ser por isso que ele é tão bom ouvinte – o universitário respondeu – Não é isso que fazemos o tempo todo? Ouvir uma porção de coisas que não entendemos, num discurso que detestamos?

A moça riu. Ela balançou a cabeça como se de algum modo concordasse, mas estava mais interessada em perguntar:

– Então era sobre isso que vocês conversavam – ela disse fazendo o gesto de colocar conversavam entre aspas.

O garotinho estendeu os braços e a mãe o colocou nos braços.

– No caso, era sim.

– Então você não concorda em ter de assistir aula? – ela pergunta.

– Não que isso fosse obrigatório – ele responde.

– Mas faz parte do processo – ela retruca.

– Que é idiotice – ele responde contrariado.

– Sabe o que dizem das regras? – ela pergunta, mas responde antes de qualquer sinal da parte dele. – “Dura lex, sede lex”.

– É verdade...

– Bom – ela explicou – Eu tenho de ir, fazer meu papel de platéia...

Ele queria dizer algo do tipo “eu também”, mas o que lhe ocorreu enquanto ela se virava para ir e o garotinho olhou para ele foi:

– Só mais uma coisa, cara. Viva sempre através das regras... Não há escapatória... Viva através delas, morra por elas...

– Isso não foi legal... – a mãe do garoto comentou entre a contrariedade e o riso – Ele é muito novo para saber que o mundo é tão cruel.

– Na verdade depende de quanto da Verdade ele conhece – foi a reposta.

– Diga tchau, bebê – a moça pediu ao filho enquanto fazia uma expressão de entendimento e concordância que até surpreendeu o universitário.

O menino apenas acenou enquanto eles se afastavam. O universitário acenou em retribuição, olhou para o relógio e amaldiçoou o cargo que exigia que ele assistisse a próxima aula. Ele foi em direção a ela... Pelo menos não chegaria atrasado.

Pelo menos?! – ele se perguntou contrariado – Como assim pelo menos?! Eu preferia nem ir!

Um comentário:

Diego Cavalcanti disse...

Texto massa, Théo. Retrata bem a nossa realidade...

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