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2010-05-14

Literatura Computacional


Sou tão apaixonado pela escrita que escrevo até mesmo para máquinas. Sou programador de computadores. Uma das diversas atividades que um cientista da computação pode desempenhar.

É claro que há diferenças substanciais entre escrever para humanos e para máquinas... O comportamento das máquinas vai realmente, realmente, ser afetado por aquilo que você escreveu. Elas vão levar aquilo muito a sério. Elas podem aprender a fazer algo completamente novo, simples ou complexo. É necessário que o que foi escrito seja digno de nota para dizermos ela evoluiu de algum modo. Mas as máquinas são crianças incrivelmente influenciáveis. Se contaminam muito fácil pelo que absorvem do mundo. Pelo que lhes é ensinado. Elas tem o “feitiço da obediência”. Obedecem coisas que por vezes não deveriam... Mas como toda criança, a culpa é dos responsáveis que devem ensinar o que deve ser feito.

Talvez essa metáfora não esteja clara para aqueles que não entendem como se faz um programa de computador. Existem linguagens para escrever para computadores. Elas são diversas e de complexidade diversa, comparáveis as que os humanos desenvolveram naturalmente, mas guardam particularidades categóricas.
Linguagens para computadores não devem ser ambíguas, são matematicamente definidas, tem uma sintaxe que não pode ser desobedecida do contrário não será entendida, e não conseguem expressar tudo que uma linguagem natural consegue – são limitadas. São linguagens... Então podem ser traduzidas, tem equivalências entre elas. E pasmem... Só servem para humanos. Sim. Elas só servem para que o ser humano se comunique com uma máquina. Mensagens nessas linguagens precisam ser traduzidas para o que realmente máquinas entendem: abstrações de dígitos binários que representam tensões elétricas.
Se você chegou até aqui venceu a parte mais técnica do assunto, quem sabe algum dia faça algo suficientemente técnico, mas voltemos a metáforas.
Nossa estimada e exclusiva estirpe dos programadores tende a achar as máquinas teimosas. Afinal elas nos obedecem erroneamente da mesma forma que os humanos. Afinal elas também não entendem se queremos que parem e pedimos que sigam em frente...
E afinal, o que separa máquinas de humanos? Elas não nos compreendem como outros humanos costumam não entender, cometem erros como qualquer humano, fica por nossa conta colocar a culpa em outros seres humanos pelos erros delas, mas isso é feito. Nós damos nomes a elas. Não falo dos nomes que os fabricantes dão a cada modelo, isso é mesmo que a definição que a palavra cachorro, gato, inseto, ou mesmo humano significa. Já conheci máquinas com os mais diversos nomes: anjinho, coisa fofa, buchada, soberba, jimmy, e gwen. Faz parte do funcionamento delas ter um nome. Elas precisam se identificar entre suas iguais. Assim como os humanos.
Máquinas não cometem crimes, mas são cúmplices de um monte deles. Máquinas podem ser corrompidas, envelhecem, têm gerações, estão multiplicando-se, proliferando-se... Sem todavia procriarem.
Máquinas não sentem. Acho que todos queriam que eu chegasse a esse ponto. Tenho alguns conhecidos que acreditam diferente. Alegariam que há máquinas tão sentimentais quanto garotinhas de oito anos, ou tão teimosas quanto anciões de duzentos. Mas isso é apenas uma opinião que os humanos tem a respeito de outra coisa. Tal qual as que eles têm a respeito de outros humanos.
Ensinamos muito a máquinas. Ensinamos elas como apagar incêndios, desmontar bombas, tomar decisões financeiras, prever cenários diversos, calcular despesas, editar filmes, reconhecer pessoas. E tanto mais. Mas elas não nos ensinam nada de volta. Talvez os diversos programas educativos que existam sirvam de contra-exemplo.
A que conclusão quero chegar? Nenhuma! Gosto de máquinas. Existem dois tipos de pessoas que trabalham com computadores: as que gostam de computação e as que gostam de máquinas. Não é tão binário quanto eu poderia colocar, mas é interessante. Computação é tanto sobre computadores quanto micro-biologia é sobre microscópio.
Existem pessoas que não sabem lidar com máquinas. Existem pessoas que não sabem lidar com pessoas. Por que queremos que as máquinas saibam lidar com pessoas? Por que programas de computador e caixas eletrônicos deveriam ter essa habilidade? E para não terminar com uma pergunta: máquinas podem ocupar diversos lugares. Podem ser ferramentas. Na mão de cozinheiro uma faca pode fazer arte, na mão de um assassino é uma arma. Podem ser como bichinhos de estimação. Para uns merecem atenção e um nome, as vezes exagerada atenção, ou podem ser um transtorno. Podem ser um instrumento de arte. Podem ser meio de comunicação. Podem ser serventes, ou servos. O papel que elas não podem ocupar e que define os demais papeis é o do humano por trás da máquina.

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