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2009-09-11

Paolini, Meyer e Rowling: O dragão, a vampira e a maga


Comparar esses três é uma tarefa interessante. Meyer é sem sombra de dúvidas o fenômeno literário mais recente. A literatura deles é interessante no sentido que é devorada por jovens. Meyer parece algumas vezes ter a mesma habilidade que Cecily von Ziegesar, autora da série Gossip Girl: conseguir conquistar o exigente público feminino adolescente.
Kevin Smith disse algo que me fez repensar Meyer. Ele disse que ela é a nova geração. Temos de aceitar isso. Tanto em Twilight quando em New Moon, Meyer narra em primeira pessoa de um modo bem interessante. Ela consegue fazer a pessoa sentir a aflição da narradora em relação ao ambiente e aos sentimentos.
Paolini, autor de Eragon, Eldest e Brisingr, escreve para outro público: nerds. Gente que já devorou todas as versões possíveis do mundo fantástico criado por J. R. R. Tolkien. Paolini é um descritor. Tem um vocabulário mais elaborado do que o de Meyer, e se preocupa muito mais com descrições que a autora dos vampiros brilhosos...
Lady Rowling é com certeza a mais bem sucedida dos três. Ela tem uma habilidade narrativa que a faria com certeza ser uma autora de ótimos romances policiais. Aí parece estar a mágica do Harry Potter: colocar esses mistérios numa ambientação bem particular e desenvolver a trama com um conjunto de personagens fácil de se identificar.
Paolini se preocupa muito em ficar a sombra do professor Tolkien com línguas elficas e criando elfos perfeitos. Com certeza comparado a Meyer e Rowling é o que tem mais dificuldades de fazer o público se identificar com as personagens, principalmente a personagem protagonista.
É muito fácil as adolescentes se identificarem com a narradora de Meyer,, Isabella "Bella" Swan,  é uma menina sem uma beleza exuberante, suficientemente aplicada, que tem alguns problemas com os pais como toda adolescente. Harry e seus amigos são alunos de uma escola de magia. Mas lá tem tudo que costuma cercar a maioria dos estudantes “trouxas”: professores divertidos, simpáticos, sérios, intragáveis; colegas concorrentes, melhores e menos hábeis; inimizades, amizades, paixonites e paixões.
Paolini tem uma personagem principal que é um fazendeiro caçador, que voa montado num dragão. Talvez seja o sonho de muitos nerds, mas o caso é que não é tão fácil se identificar com ele. Claro que o cavaleiro tem preocupações bem semelhantes a muitos dos leitores, como se apaixonar por uma garota mais velha. Ou no caso, por uma mulher bem mais velha.
A série Harry Potter de Lady Rowling é um ensaio muito interessante sobre a força do amor. Esse parece ser o que ela quer comprovar em sete volumes. Algumas pessoas dizem que a história de Rowling não tem profundidade. No geral parecem ser fãs de professor Tolkien. O caso é que Tolkien gastou muito tempo criando um ambiente, línguas (como faz Paolini). Lady Rowling se preocupou em dar complexidade as personagens. Harry por exemplo é um garoto de boas intenções, mas um mentiroso, trapaceiro, metido a herói.
Enquanto as personagens do professor Tolkien são planas as de Lady Rowling são bem mais elaboradas. Elas tem personalidades papáveis e verossímeis. As motivações por vezes escondidas demonstram a complexidade e a ambigüidade humana. Elas mantém também uma fidelidade a sua própria natureza que é marcante. Elas não são simplesmente aquilo que você julga, quase como um humano real.
A construção do vilão de Lady Rowling é muito bem elaborada. Apesar da aparente predeterminação que ele teria recebido, é marcante o quanto dele é determinado pelas escolhas.
Rowling parece deixar transparecer que ás vezes fazer o bem envolve quebrar as regras... Seus protagonistas não se envergonham de mentir, burlar e responder no olho por olho.
A série Twilight fica numa articulação mais piegas. Apesar de também tratar do poderoso amor retratado na obra de Lady Rowling, Meyer costuma fazer escolhas mais simples. Se resumindo a contar uma estorinha de amor e paixão, encontros e desencontros amorosos, a batalha contra a escuridão se torna plano de fundo.
Comparando, Lady Rowling deixa claro quem é mal e quem é bom pelas facções que as pessoas escolhem. Mas o mundo dela está longe de ser simples assim, como ela mesmo alerta: “O mundo não está dividido entre pessoas boas e comensais da morte”. Meyer resolve truncar: porque esclarecer o que é certo e o que é errado se o ser humano é tão difuso? Por simplificação as pessoas não são boas nem más.
Talvez essa simplificação seja feita pelos olhos da protagonista e narradora. Sabe aquela pergunta irônica: ela é especial, tipo deficiente? Bella é tão doente que acha que o mundo dos vampiros é maravilhoso.
E através de Bella a natureza das facções se torna turva e embaçada. Quem é bem e quem é mal? Esse tipo de confusão costuma ser associado ao demônio: criar um desentendimento do que é certo ou do que é errado. Fica difícil escolher um lado e isso é fundamental nas estórias clássicas do Bem contra o mal. Mas Meyer descarta isso e deixa tudo no lado das impressões: as vezes se tem a impressão que os vampiros são bons, mesmo eles sendo amaldiçoados bebedores de sangue; as vezes se acha os lobisomens maus, apesar da condição natural deles de defensores dos humanos; e por aí vai.
A percepção da narradora é um prisma. Lady Rowling utilizou de mecanismo semelhante, mas através de outras técnicas. Colocar o leitor como um observador atrelado ao garoto Potter, mas não através dos olhos dele, tem efeitos semelhantes embora não se possa argumentar que aquela percepção é a dele. Com Bella não há escapatória, estamos enclausurados nas limitações de percepção dela e na interação dela com as personagens.
Em síntese a saga de Meyer é um argumento ao amor entre forças desiguais, mas também é uma ode a capacidade do amor de florescer nos corações mais amaldiçoados. Piegas... mas é verdade. Mesmo que para isso seja necessário comer o fruto proibido, que todo mundo lembra que é o pecado original. Estaria ela elaborando um argumento a respeito da redenção dos pecados? Salvação dos amaldiçoados? Não é o que ela andou dizendo, mas se eu ler a metade final da saga posso até discordar depois.
O Ciclo da Herança (antiga “Trilogia da Herança”) não é sobre amor, é sobre virtude. É sobre fazer a coisa certa. Paolini usa do argumento que o que é certo varia conforme as culturas. Conforme ele mostra as diferentes facções, facções de criaturas que até mesmo não são estritamente humanas, o que é certo fica em perspectiva. A busca pela virtude é uma busca individual.
Claro que o Ciclo da Herança faz diversas alegorias. Alegorias a força do amor, alegorias ao guerreiro perfeito, alegorias a natureza das coisas que não são exatamente humanas. Alegorias até sobre a fé.
Paolini resolve usar muito da influência da sociedade nas suas histórias. Os interesses políticos são realmente relevantes na sua obra. E fazer alianças justificadas por uma causa maior nem sempre é suficiente para que os membros daquelas sociedades vejam isso. As diferenças entre os seres ficam ainda mais distintas no ambiente de Paolini, do que no de Meyer ou mesmo de Rowling. Essas diferenças são importantes nas obras das duas, mas na de Paolini são fundamentais.
Paolini discorre muito mais sobre a justiça, e aqueles que tem o dever de a executar. Meyer e Lady Rowling enevoam o que é certo e o que é errado com as percepções das personagens, Paolini trata de algo diferente: o que é justo a despeito das percepções das personagens. As personagens de Meyer e Lady Rowling são cidadãos, enquanto os de Paolini são legisladores e executores da justiça. Cedo o protagonista de Paolini é alertado de que ele é um executor da justiça, mas ele vai continuar se complicando com isso várias vezes.
E Paolini joga o foco narrativo entre diversas personagens além da sua protagonista, todas elas dotadas de deveres na sua posição de líderes. E estão lá: todas as coisas mundanas que fazem os humanos falharem, mais do que os grandes desafios à causa propriamente dita.
A percepção de lutar por uma coisa maior que o indivíduo é forjada na obra de Paolini pelo martelar repetitivo do argumento. A despeito disso as mediocridades humanas, mesmo na figura de outras criaturas, sempre aparecem para complicar a jornada.
Paolini não terminou sua saga, mas até agora ela parece um argumento a se dedicar a uma causa maior, e os contratempos e dificuldades que ser humano, ou qualquer coisa próxima disso, infligem a essa luta por justiça e uma causa mais elevada.
As semelhanças óbvias de mundos mágicos, repletos de criaturas fantásticas são apenas a ponta do iceberg. É literatura fácil? É sim, eles tem um compromisso de entreter os leitores e não fogem a isso, mas em cada um deles há um retrato da comédia humana... Distorcida por toda a magia disponível no cenário, mas ainda assim uma interessante especulação sobre o comportamento dos seres humanos. Estórias a respeito de coisas mais importantes do que a própria pessoa. Meyer tem um hiato nesse aspecto, mas a colocação de que o amor é mais importante do que a condição das pessoas se aproxima.
Justiça, Amor, mal e Bem. Histórias tratando de coisas tão maiores que o ser humano, e mesmo assim sendo ele responsável pela importância dessas coisas. Estilísticas distintas é verdade, públicos semelhantes, mas não iguais. Resumir que elas são infantis, imaturas ou rasas é uma avaliação primária, talvez até preconceituosa. É claro que eles tem seus defeitos.
Paulini se apega muito a grandiosidade de sua causa e aos interesses políticos na sua narração... As vezes fica chato. A fixação que ele tem em relação a magia e a decantá-la em algo lógico é por vezes chata e repetitiva.
Meyer é repetitiva, principalmente nas descrições do tal Edward Cullen. A pouca profundidade das personagens é chata, mas o provável argumento é manter a leitura prazerosa. Algumas das concepções dela para os vampiros são bobas. A apresentação inicial de vampiros tão bonzinhos é irreparável, ainda mais sob o olhar limitado de Bella. Ser piegas é apenas outro defeito. É claro que o amor é a força motriz, mas se limitar a isso, esquecer da causa maior é muito restrito, quase medíocre.
O cenário de Lady Rowling é mais limitado, e por vezes mais difícil de aceitar, de perceber palpável. Ela até tenta se redimir no volume final, mas não foi bem sucedida. Pequenas inconsistências estruturais também estão presentes, mas talvez estejam nas obras de Paolini e Meyer, mas não posso afirmar por falta de releitura das sagas deles. Outra coisa é a falta de extrapolação dos limites da magia. A magia é uma coisa meio e infantil e o controle sobre ela um pouco obscuro, talvez até mal definido. Enquanto Paolini faz demais com a magia, Rowling as vezes faz de menos. Apesar de seu foco narrativo estar ligado a um acontecimento único e importante na magia, a visibilidade das possibilidades da magia se encerra na própria trama.
Em relação a Paolini e Lady Rowling é muito mais notável e aplicável a consideração sobre ficção especulativa: magia e tecnologia são inúteis. A verossimilhança é um adversário terrível em obras de ficção especulativa e a dose, ou costuma ser exagerada, como Paolini, ou diluída, como Rowling. O equilíbrio é difícil. Meyer tem (até onde li) um mundo fantástico muito mais controlável a necessidade dela, mas também exagera: os vampiros são a danação humana, simplesmente irrefreáveis, praticamente não tem adversários, além deles mesmos. Exagerou na dose, apesar de usar o que pode ser definido mais como sobrenatural do que propriamente mágico.
E o que concluir? Que você deve ler. Não são obras perfeitas, mas são leituras agradáveis, se não se identificar com uma vai acabar se identificando com outra. Todos os três são atentos a tarefa de entreter o leitor e tem mais do que pode parecer, como toda obra de ficção especulativa deve ter. Que bom que há escritores que conseguem cativar os leitores num mundo tão cheio de estímulos multimídia como o atual. E por conclusão: eles cativam pois tem habilidade literária para isso.

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