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2009-04-03

Recife sem medo da escuridão


Essa é uma narração a respeito de coisas inexplicáveis. A primeira delas chama-se destino. Ou acaso. Não importa o nome que se dê ou o que a nomenclatura designe, na prática essa coisa, acaso, ou destino, é o mecanismo que controla aquilo que está fora do nosso controle.
Conserto do Iron Maiden em Recife. É inexplicável o que isso significa. Só quem tem a mesma paixão pelo tipo de som vai conseguir entender, e mesmo assim não consegue descrever ou explicar.
A trajetória dessa incursão começa no dia anterior ao show. O destino, ou acaso, seja lá como chamem, resolve dar um ânimo. Ele, na verdade minha tia, me deu a oportunidade de ir assistir o show na pista especial, mais próxima do palco. Dádiva dada a mim e meu primo. Isso significa muitas coisas, mas a mais urgente era conseguir colocar meu ingresso anterior para frente.
Quando digo que só quem sente a mesma coisa é que entende, pois meu pai reclama, a pessoa que receberia meu ingresso extra é proibida de ir. Será que nossos pais não entendem? Não é simplesmente ir a um show, se espremer no meio de uma multidão, é a primeira vez que o Iron Maiden vem tocar no nordeste brasileiro. Estar lá não é apenas assistir a uma apresentação, é fazer parte da história do rock no nordeste.
Mas eu fui. Assistir ao show não era minha única tarefa. Ia pegar uma encomenda, o que me tiraria da fila e da companhia de meus companheiros de viagem, para ir resolver isso.
Dia do concerto. Excursão marcada para às oito horas da manhã. Com a apresentação marcada para às vinte e uma, temos mais de doze horas pela frente. Chegando no ponto de encontro e concentração quase na hora. Dali sairão três ônibus cheios. Eles iam sair às oito e meia? Por acaso você nunca participou de uma excursão? São pelo menos noventa minutos de atraso. Legal para encontrar gente conhecida, jogar conversa fora, se arrepender de não ter ido para aula... Teria dado tempo!
Ir para aula? Claro... Os organizadores inventaram de agendar a apresentação para uma terça-feira a noite. Mas o show estava agendado a várias semanas, conseqüências contornáveis. Pelo menos para a multidão que saiu de minha cidade.
A viagem de ida é bem tranqüila, aliás, tudo em relação ao show foi bem tranqüilo, dentro do padrão usual do que é um show desses.
Chegando lá vou pegar a encomenda. Encontro com familiares... Coisa normal. Decido ir ao supermercado. Comprei pouca coisa e pego a fila de pequenas compras. Pelo amor de Deus! Naquela hora eu não sabia mas seria a maior fila que pegaria no dia. Ótimo que foi rápida.
Volto ao apartamento de meus familiares... E lembro que deveria ter feito uma coisa fundamental: colocar as baterias da câmera para carregar. Um dos motivos de ter me largado até a casa de meus familiares é que já tinha esquecido de colocar as drogas das baterias para carregar na véspera.
Mas não desisti assim tão fácil. Ligo pra minha irmã, que está hospedada na casa desses meus parentes e peço a câmera dela emprestada. Problema semi-resolvido... A câmera de tinha meia bateria. Entre meia bateria e bateria nenhuma, claro que fiquei com meia bateria.
Desço para pegar um taxi. A tarefa é colocar a encomenda no ônibus da excursão. Mando o cara tocar pro Jóquei Clube. Entramos na rua onde o ônibus está estacionado. Taxis, ônibus, e caros particulares transitam pelas estreitas ruas que circundam o Jóquei Clube. Eis que meu motorista me solta uma pérola:
- O que esse monte de gente está fazendo aqui?.
Melhor ficar calado pra não perder a razão. Encomenda entregue, toca pra encontrar meu primo. Estávamos na dúvida se entravamos na pista especial ou arrumávamos um jeito de ir para a pista normal e ficar onde tinha mais gente conhecida. Já ficou claro a essa altura que os planos não estavam indo bem?
- Onde é que tu está? - indago.
- Já estou dentro.
Quase que a mãe dele recebe uma alcunha que sendo minha tia não merece de modo nenhum. Se não tivesse gasto dez minutos tentando falar com a criatura antes dele atender tinha pego o começo da apresentação de Lauren Harris. Gostei da moça. Gostei muito! Melhor controlar os uivos. Mas quero realmente saber quem foi a criatura que ensinou a moça a pronunciar o nome da cidade. Atenção: é REcife, não RIcife!
Termina a apresentação da donzela e esperamos para começar os show. Rodamos um pouco em busca de um bom ponto de observação. Fica claro que é melhor flanquear a turba do que tentar um ataque frontal e tentar ficar diante do meio do palco.
Fato notável não são os tiozinhos de meia idade esperando pra curtir o metal, mas uma pirralhada sem tamanho. Me vem a pergunta: por que meu pai não é desse jeito? Por que ele não me incentiva a escutar metal e ir para concertos épicos como esse que se antevia?
O publico é um verdadeiro capítulo a parte. Gente e todas as idades se espremendo pra ver uma apresentação. Todo mundo em pé, suando, pulando, gritando, cantando. O que move essas pessoas? O que as faz se vestir, ou se fantasiar, de um mesmo modo? O que as leva a gastar horas e horas na fila? Agüentar tudo aquilo só para ouvir algo que eles poderiam ouvir em casa? Não é do mesmo modo! Isso é fato... Mas o fato marcante e já antecipado, é que é inexplicável. Se você tem a sensação de que quase consegue dizer os motivos, mas lhe faltam as palavras, por mais claros que sejam os motivos, você me entende, senão... Sinto mundo, talvez você nunca chegue a entender.
Existe uma técnica para se infiltrar em multidões de fãs e posso garantir que só jeito não é suficiente, é preciso botar força. Naquele ambiente se você é um pé, você ou pisa em outro ou está sendo pisado. Se você é um braço, ou está dando uma cotovelada, ou está na frente de alguém. Mas o formidável foi que consegui um local bem perto, atacando pelo flanco esquerdo, vago, calmo.
Teve um maluco que simpatizou comigo e passou um pedaço do show me sacudindo para demonstrar a animação dele. Pois é. É o tipo da coisa. O lugar que fiquei foi legal, mas muito frustrante... Ficou exatamente no meio de onde caiu uma pá de coisas atiradas pelos músicos. Quando digo no meio, quer dizer que caíram coisa no grupo a frente, num grupo atrás, num grupo do lado, e eu não peguei nada. Deixa pra lá...
Hora de sair... Vale registrar que o hall de entrada do show era espaçoso... Pelo menos quando não há vinte mil pessoas querendo sair no mesmo instante. Ali o calor humano e o contato físico foram generosos, por assim dizer. Lembra de como o hall de entrada era amplo? Pois é... O mesmo não se pode dizer da rua diante ele. Depois que foi envolvido pela multidão, não interessa se você desistiu de sair... Agora encara! Pra se ter idéia, o lugar mais arejado, vago e confortável era em cima das árvores. Lembra meu primo que entrou sem mim? Adivinha... Ele saiu sem mim também.
Sabe o que é mais de lascar? Carroceiros, motos e até uma viatura da polícia queriam abrir espaço pela multidão... Nome do capítulo saída: contrariando as leis da física.
Encontrados os conhecidos, toca de volta para o ônibus. Temos a viagem de volta... Demora novamente. Finalmente voltamos, chegamos. Desembarco, pego a encomenda, chamo um táxi e quando lembro de pegar minha mochila... Bem o canto estava muito limpo. Fiquei transtornado, não consegui pensar direito, todas as boas e óbvias idéias não me ocorreram. Deixa pra depois.
Presentes de ultima hora, reclamações e proibições parentais, atrasos, calor, encomendas, encontros, desencontros, filas grandes onde não deveriam, nada de filas onde eram esperadas, calor, gente, muita gente, mais calor, tatuagens, crianças, senhores e senhoras, indumentárias de metal, gente deslocada, aperto, muito mais calor, gente simpática, gente animada, gente emocionada, pais atentos aos filhos no meio da multidão, indefinição de quem se o pai ou filho é mais fã, palmas, mãos para o alto, “olê, olê, olê”, gritos, gente, calor, metal, muito metal, calor, fotos, mais gritos, aperto, calor, fogo, obviamente mais calor, aquela cidade é quente demais, encerramento, avanços aos presentes da banda, silêncio... Sede, calor, pessoas em marcha, multidão, apertos, demora, palavrões, mais aperto, mais calor, desencontros, encontros, caminhada, troca de roupa, relaxar. São coisas demais, são tantas fora de controle, algumas são provações, algumas são coisas legais, algumas delas são incontroláveis. Mas tudo isso faz parte da aventura que é vier esse estilo de vida. Que é ter um estilo musical tão arraigado na sua alma que parece que faz parte de você que une gente de tantas idades, de tantos lugares. Quem não entende tenha certeza... O motivo de se gostar desse tipo de música faz parte do destino, ou acaso, como queri chamar. No fim é a mesma coisa, está fora de seu controle.
E se você me pergunta sobre o show... Bom... Simplesmente cabe numa linha: foi o primeiro show do Iron Maiden em Recife. Precisa dizer mais?

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