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2011-09-18

O Perfume - A história de um assassino


O livro é um enredo aparentemente assustador, a história de um bebê que nasce no meio do mercado fedorento de Paris e quase morre pela falta de zelo de sua progenitora, que logo depois de dá à luz à criatura inodora, debaixo de uma barraca de peixeis, a abandona entre os restos de carne, limpa o sangue do parto no vestido e continua a trabalhar como se nada acabasse de ocorrer.


Por mera coincidência, como o autor gosta de tratar os acontecimentos da vida desse moribundo, a criança chora e se faz ser notada entre a multidão e o fedor insuportável de peixe podre e outras comidas estragadas. Num lapso de justiça a mãe é presa e o menino enviado a uma ama de leite, que recebia uma quantia pequena para manter vivo aquela coisa como se referia a ele, o fato que causava mais estranheza em todos era daquela aberração não ter cheiro, e por isso alguns diziam está possuído pelo demônio.

O menino cresce em um universo de odores extremos, do podre cortume que foi seu primeiro trabalho até o adocicado cheiro de tamarinos da primeira bela moça que ele rouba a vida. Apesar de introvertido e causar repugnância, sem amigos e família o jovem de nome fulano de tal era dono de um olfato invejável, capaz não só de identificar uma pessoa há kilômetros de distância mas também de memorizar esses cheiros e armazená-los em sua memória olfativa, tanto que sentia dificuldade de aprender as coisas pelo nome, para ele era muito mais fácil memorizar pelo cheiro que a coisa emanava.
Depois de ficar encantado pelo perfume da jovem bela ruiva, decidiu ser um perfumista e, não apenas, aprenderia uma maneira de eternizar o odor das pessoas em uma essência magnífica. Depois de guardar todos os cheiros que pode se mudou para outro cidade da França onde conheceu um velho perfumista em decadência e aproveita-se da situação, de maneira muito sutil, para ganhar a confiança e o acesso
às essências e equipamentos do ateliê.
Depois de muito tempo de aprendizado, decidi ir rumo a outra cidade, não sou muito boa com nomes como vocês percebem, mas isso não faz muita diferença para que entendam a arrepiante e exitante história desse autor, enfim, nessa nova cidade se encantou pelo cheiro de uma outra jovem, muito superior, segundo ele mesmo ao daquela outra que ele sufocou até a morte. Por isso, resolveu que esperaria uns dois anos se aperfeiçoando em técnicas de fabricação de essências e só assim procuraria a jovem novamente, para que pudesse captar seu cheiro de maneira metódica e perfeita.
Esse era o tempo necessário para que ela amadurecesse seu perfume natural e o tornasse mais poderoso, pelo menos na cabeça dele. Enquanto isso não acontecia as jovens mais belas e virgens da cidade foram assassinadas friamente por ele, e tiveram seus aromas roubados por um precioso método que ele desenvolveu, envolvia as donzelas em gordura e depois tratava essa mistura até obter preciosas gotas do cheiro puro humano delas.
O interessante desse livro além de toda a frieza e riqueza de detalhes com que o autor relata a história, nos fazendo transceder a literatura e crê no improvável é o momento ápice da história, em que acredito, os leitores se dividem entre certo e errado e alguns começam a torcer para que o jovem alcance seu objetivo final, mesmo que isso implique em mais uma morte.
É um raro caso onde a inteligência supera a moral e os valores aceitáveis pela sociedade entre o que deve ou não deve ser feito, entramos na mente do assassino e entendemos sua linha de racioncínio, suas ambições, seu psicológico, conseguindo, talvez, encontrar até um sentindo para suas práticas "abomináveis". O enredo vai além de mostrar que é possível o bonzinho se dar mal no final da história, ele consegue de maneira muito peculiar criticar a sociedade e seus padrões de conduta, e por isso a leitura é tão estigante e o personagem tão interessante apesar de sem escrúpulos.
Se você se interessa em saber os detalhes de nomes de cidades e personagens, e quiser ter a mesma experiência espetacular, que outros leitores e eu tivemos, inclua na sua lista de leitura: O Perfume, a história de um assassino.

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2011-01-27

Prefácio+Sonataria: O que aprendi com super-heróis


De certo modo é outra analise literária em busca de filosofia. Só não pense que não levo a sério essas buscas. Acho que em quase tudo que aprecio, aquilo que me diverte, busco algo de filosofia, busco um sentido mais profundo. Posso gostar por razões que nunca foram pensadas pelo autor, mas são esses os motivos de defender e pelo modo de ver o mundo que aprecio determinadas coisas.

Não foi uma busca tola tentando achar motivos para gostar de super-heróis, mas sim uma analise inspirada. Pode ter começado de maneira jocosa com os Raimundos, mas provavelmente vou falar de coisas que realmente vejo filosofia. É engraçado esse texto ter surgido num rompante de inspiração, mas ele era tão óbvio... Algo que adoro tanto e por motivos filosóficos também tinha de ser alvo dessa minha natural busca pela filosofia naquilo que gosto.
Esse prefácio além de ser uma conversa com meus raros leitores é também uma indicação de Sonataria. É meio estranho indicar uma trilha sonora para algo que você mesmo escreveu. Ainda mais quando essa música é tão pouco relacionada com meu gosto usual, mas escutei ela repetidamente enquanto escrevia esse texto. Certo que a música é meio lenta, talvez meio ingênua e bem intencionada, uma trilha sonora para para um filme leve, mas acho que acompanha a mensagem.
Aperte play e leia o post abaixo.
[VIDEO de “It's who you are” da trilha sonora de Secretariat]

Se quiser ler mais sobre minha visão de super-heróis eu já postei algumas das histórias deles aqui no blog.

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O que aprendi com super-heróis


Superpoderes são o sonho de qualquer nerd. Mas não são superpoderes que fazem um super-herói. São as lições que eles podem nos ensinar. Alguém com superpoderes e sem ética é apenas um supervilão. E o que os super-heróis ensinaram-me? Algumas lições. Não é pela garota. Nenhuma boa ação fica impune. Não é sobre vingança. Não é a respeito dos outros é por si mesmo. Sacrifício. Não alimentar vingança. Não é a escolha mais fácil.


Não é pela garota. Claro que Kal-El poderia mostrar a deslumbrada Lois Lane seus dons a qualquer momento. Mas o que cenas como quando Leonard de The Big Bang Theory não conta a Penny que foi cobrar o ex-namorado dela, ou quando RJ de The Hard Times of RJ Berger, conta a Jenny que o namorado dela não a traiu tem em comum? Não é sobre a garota. É sobre fazer a coisa certa. É fazer a coisa certa pelo valor do que é certo, não em proveito próprio.
Todo mundo escutou, mas quem realmente sabe? Vale repetir, como um mantra: Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Pode parecer bobagem, mas se lhe indagarem se você gostaria de ser o Super-homem lembre do que Zack de The Big Bang Theory disse: “Eu não sei, parece uma grande responsabilidade”.
Quantas pessoas abusam dos mais simples privilégios, tenham sido eles dados pela genética, por riquezas que não foram conquistadas por eles, por uma autoridade que lhes foi concedida pelos que ele abusa. Uma das coisas mais corriqueiras e doentias do nosso mundo são pessoas sem autoridade no lugar de autoridade. Então é uma preciosa lição educar esses tímidos jovens. Os jovens de hoje são os governantes de amanhã.
Stan Lee não é um gênio por ter educado uma geração de jovens tímidos, mas de ter ensinado a eles o que realmente importa. Se você não sabe quem é Stan Lee, ele é o criador do Homem-Aranha e dos X-Men. Um tutor de super-heróis sem poderes, pois tudo que ele poderia dar aos seus leitores eram as lições difíceis. Aquelas que são duras de encarar. Toda vez que penso no Homem-Aranha eu me lembro que nenhuma boa ação fica impune.
Para uma geração que é o esteriótipo da antítese do que um jovem deveria ser, ensinar que não há alternativa além de continuar lutando é uma lição dos quadrinhos. A metáfora dos X-Men não é imediata, mas basta prestar a atenção que nem mesmo aqueles que estão sendo educados por ela percebem. Que metáfora? Essa vai sair de graça...
Imagine o esteriótipo padrão de um nerd: alguém realmente bom em algo, algo que o faz especial. Não se surpreenda quase todo mundo tem, e onde esse algo não existe ainda há o esforço para preencher a lacuna. Pode ser puro e apenas talento acadêmico, mas está lá. Agora imagine-o numa época em que seu corpo está mudando, que não se entende. Agora imagine ser rejeitado pelos seus pares, seja por que eles invejarem aquele talento, ou pelo simples e humano comportamento de temer o estranho, o alienígena. Parece um tanto com a juventude de tanta gente. Não se surpreenda, a beleza e a adequação ao padrão dela são raridade, exceção via de regra e é da natureza da beleza ser assim. Então não se surpreenda nele se identificar com a Vampira e ausência de contato físico que ela lida. Não é a toa que ele se sinta peludo e azul como o Fera. Duvide que essa sintonia seja por acaso.
Mas agora que esse pequeno nerd se viu naquela personagem o que é ensinado para ele? Que nada disso o contém. Que isso não o define. Que nada o limita. Ele tem de fazer o melhor com o que lhe foi dado pois ele não pode fugir de quem ele é, e que o que define é o que ele faz com o que ele recebeu.
Não é a respeito dos outros. Não importa o que os outros digam, o quanto eles invejem ou discriminem. Meta-humano, marciano , kryptoniano ou mutante vai ter de viver com aquilo que ele é. Não importa quanto temam, motivos eles vão ter, senão não haveria superbandidos... Não é a respeito dos outros, não é o que você tem. É quem você é.
As vezes ser quem você é exige sacrifício. Sacrifício. Essa é a real essência do heroísmo, então tinha de estar no super-heroísmo. É o retrato disso que faz eles não terem esposas e filhos. As vezes o sacrifício é retratado pela solidão. Solidão tantas vezes sentidas pelos nerds apaixonados por essas histórias. Se entregar a uma causa não é algo fácil, por vezes pode ser perigoso ou mesmo errado, mas ainda assim muitas vezes é o que deve ser feito.
Não há nada triste na solidão, no sacrifício desses heróis. Eles escolhem esse sacrifício e se não for consciente e livre não é sacrifício. Eles se sacrificam pela coisa certa. O que é triste é que essa escolha seja tão impossível para nós meros mortais que ela esteja sendo depreciada. Afinal o cotidiano diz que com grandes poderes aparece apenas corrupção. Mas não é algo que deva ser ensinado aos jovens. Isso leva a próxima lição.
Não é sobre vingança. A prata é reconhecida como matadora de monstros... É engraçado que tenha sido no que chamamos de Era de Prata que o conceito de super-heróis tão desumanos que são os exemplos inatingíveis que deveríamos seguir tenham se perpetrado. Pois é com o bem, e apenas com Bem que se destrói o mal. E esses idealizados heróis não se vingam, eles preferem lutar guerras perdidas e eternas do que desistir... Tudo que eles tem são batalhas em seu favor, mas eles não podem lutar todas, e por isso a guerra continua e é invencível.
Pois não é sobre a escolha mais fácil. É sobre fazer o bem. E que motivos há para praticar o bem? Num mundo soturno como o nosso, tão cheio de crueldade e injustiça? Não é sobre a escolha mais fácil, é sobre trazer luz a esse mundo através da prática do bem.
Do que adianta ter super-poderes se todo nerd sabe que eles não poderiam ser usados para se vingar do bulie que lhe atormentava? Talvez essa seja a lição mais difícil de aprender. Aquela que faz a real diferença, aquilo que aprendi com super-heróis: Nem mesmo é sobre super-poderes, é sempre sobre fazer a coisa certa.

P.S.: Se fosse pra escolher um super-poder eu ia querer leitura de mentes.

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2011-01-18

Filosofia, quem procura acha: Raimundos, Só no Forévis

Filosofia é uma coisa interessante. Se você procurar com cuidado, é capaz de achar densidade em qualquer lugar. Pra se ter uma ideia de como é possível vou mostrar a filosofia que pode ser atribuída a uma série de temas.

Inaugurando a coluna “Filosofia, quem procura, acha” vamos começar com o melhor disco dos Raimundos: Só no Forevis. Só em se tratar de uma homenagem ao humorista Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, já é mais um argumento para o classificar como o melhor trabalho dos Raimundos.
Mas vamos ao disco em si, e mais do que isso as letras das músicas. Quem pensa que Raimundos é pornográfico, cheio de duplo sentido, raivoso, não está errado. Mas filosofia... Quem procura acha.

A música mais tocado do disco, talvez da história dos Raimundos por sua faceta Pop-Rock é “Mulher de Fases”. E do que trata a música?. Não tem muita profundidade, é apenas sobre a coisa mais complexa para o ser humano: relacionamento. Claro que num nível bem específico dos relacionamentos amorosos. Não é novidade a discussão sobre a dificuldade de se lidar com as idiossincrasias alheias no contexto dos relacionamentos. Talvez a novidade esteja em detectar isso numa música dos Raimundos, mas está claramente lá, as atitudes paradoxais com as quais o eu lírico tem de conviver. Já tinha imaginado? Discussão sobre idiossincrasias relacionais relativizadas por ciclos fisiológicos numa música dos Raimundos? Pois é... Mas quem procura acha.
A segunda faixa do disco é nada mais do que uma alfinetada contra a bundalização da mídia brasileira. Sério, “Mato Véio” é sobre isso. O critico é que isso era verdade em 1999 quando “Só no forevis” foi lançado e ainda hoje em dia. Talvez tenha mudado de Axé baiano para Funk Carioca, mas o quadro é bem parecido.
Que tal achar uma discussão sobre fanatismo e alienação numa música dos Raimundos? É disso que a faixa Alegria parece tratar. Começar com uma narração futebolística num país até idiotizado pela paixão ao futebol é o primeiro sinal. O clamor que Deus viesse vingar Jesus é a primeira agressão contra o fanatismo religioso. O comentário de que gente que se é cega em ilusão de luz é definitivamente uma alfinetada contra o fanatismo religioso. O grito de “Acorda!” é um outro alerta. Por muito menos que isso já encontram mensagens subliminares muito mais complexas em músicas tocadas ao contrário, então não se assuste se na próxima vez , ou talvez na primeira, que escutar “Alegria” dos Raimundos, veja toda a crítica ao fanatismo e alienação que a música contém.
Pode não ser dos mais politicamente corretos, mas os Raimundos falam de um tema polêmico, corrupção de menores, em “Me lambe”. A música começa alfinetando a culpa que a sociedade tem em deixar as crianças entrarem em contato com a sexualidade tão cedo. A letra é aberta ao explicitar que se trata da convenção social e da legislação, “Dá cadeia e é contra o costume”. Apesar da letra rodar de maneira boba em volta do relacionamento, quando o eu lírico é preso por estar com uma menor de dezessete anos mostra o argumento contra a tecnicalidade.
Uma ambiguidade interessante é a que ocorre quanto ao comentário do policial: “o homem de cassetete disse, quando me algemou. Que ela só tinha dezessete, que o pai dela era doutor. E que e se fosse eu ainda faria igual. Se fosse o ano que vem ia ser normal...”. Faria o que igual? Pegaria a guria? Ou o eu lírico está dizendo que o guarda explicou que se fosse o eu lírico, mesmo sendo homem, com apenas dezessete o policial teria feito o trabalho e algemado a moça? Ou uma terceira opção, se fosse o policial ou o eu lírico fosse o pai da moça também ia denunciar o “aproveitador”? Não vou fazer juízo de caso da narrativa contada, ou de valor da opinião dos compositores, mas é bom ficar claro que a letra trata da discussão sobre o tema de corrupção de menores na sociedade atual.
É difícil fazer rock no Brasil. Provavelmente sim, o que mais toca nas rádios é outra coisa, seja forró, axé, pagode, funk, etc.. Em “A mais pedida” os Raimundos viram as agulhas para o tema de censura e do que escolhem tocar nas rádios. Pro que não podia entrar menor no show dos Raimundos? Por que Raimundos não pode tocar na rádio? E a liberdade de expressão? Eles teriam de se render as imposições de censura e gravadora para tocar nas rádios? Mas a qualidade do que toca nas rádios? Se for levado em conta os padrões de hoje, o que separa o vocabulário dos Raimundos do vocabulário da Gaiola das Popozudas? Será que merece a discussão? Provavelmente não. Então resumo da ópera, ou pelo menos de “A mais pedida”: não se render a arbitrariedades de censura ou convenções modistas, fama não é tão importante, mesmo que pareça fundamental. Não é lá muito filosófico, mas encontrar a própria voz e identidade é uma das buscas internas mais fundamentais ao ser humano. E isso está na bobíssima, reprovável e de ironias chulas, “Me Lambe”.
Falando sério tem uma música que foge muito ao estilo escrachado e cômico dos Raimundos: Deixa eu falar. Se “A mais pedida” já tem menção a luta contra a censura “Deixa eu falar” é clara e aberta. Contém o já conhecido tom provocativo e agressivo dos Raimundos, com palavrões nos refrões, mas não deixa de ser mais um clamor ao direito fundamental de expressão, um alerta a todos que ouvem e uma provocação aos que censuram: “Deixa eu falar”.

Antes que alguém sequer sugira, é possível achar filosofia no funk carioca do MCs e mulheres fruta, ou no forró de aviões, garota safada ou calcinha preta, mas tem que ter quem procure... E eu não procuro. De todo modo, o que você acha que tem ou que não tem filosofia? Pensar a respeito já ajuda a procurar e quem procura acha, até mesmo filosofia.

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2011-01-17

Adaptações feéricas


Depois de assistir Disney's Tangled é fácil sair do cinema pensando que se viu a melhor adaptação de contos de fadas de todos os tempos. Adaptar contos de fadas deve ser uma tarefa descomunal, afinal é transformar uma história universalmente conhecida numa desconhecida. Mais do que isso, tem de contar a mesma história. A Disney tem feito isso com primazia ao longo das décadas, desde sua Branca de Neve até agora com Tangled.

O filme é primorosamente executado, talvez o detalhe da apresentação em 3D crie uma dianteira desleal aos demais, mas os adventos tecnológicos são apenas detalhe em vista da primazia literária embebida na produção.

A Disney tem uma fórmula para adaptar contos de fadas envolvendo animaizinhos inteligentes, por vezes falantes, comicidade e musical, mas isso é detalhe frente a genialidade que conseguiu inovar um dos contos de fadas mais chato e conhecido do mundo. Por sinal, musicais são muito chatos.
Como transformar a história de Rapunzel numa história nova e com certeza melhor? O truque foi se fazer algumas perguntas sobre a história. Perguntas como: por que raios a bruxa iria prender a guria na torre? Por que ela nunca cortaria os cabelos da Rapunzel? Sério?! Pra ter um modo de subir na torre?! Que raio de cabelo é esse que serve de corda?
É um conto de fadas, mas a vagueza com que eles são tratados por vezes são os motivos que fazem histórias desse estilo parecerem tolas. Dado o truque, já que se trata de um conto de fadas é hora da verdadeira mágica. Que modo mais simples do que responder as perguntas que enfraquecem um conto de fadas do que com magia? Pois é, as perguntas acima foram respondidas com a inserção de magia. Para as respostas basta assistir o filme...
E responder essas perguntas com magia fez todo o trabalho, a assinatura da Disney e seus números musicais, animais inteligentíssimos no plano secundário de narração, são meros malabarismos frente a pura e real mágica que foi desenvolver uma história que respondesse as perguntas tão óbvias. Elas foram respondidas com talento por Dan Fogelman e a equipe da Disney.
Outro conceito fundamental foi dar uma personalidade para Rapunzel. Não uma personalidade rasa e inócua, mas o espírito de uma garota meio ingênua e receosa, mas cheia de atitude. Também deram uma personalidade para o par romântico da moça. Quem já viu o trailer sabe que não se trata de um príncipe encantado que meramente aparece para dar um beijo mágico. No caso empregaram um gatuno muito do malandro para fazer as vezes de príncipe encantado.
Uma reutilização eficiente que já tinha mostrado seu valor na adaptação de “A Bela e a Fera” é apresentar o modo como o casal se apaixona. Ninguém tem paciência para acreditar que do nada um sujeito vai enfrentar dragões e espinheiros para salvar uma donzela adormecida e ela vai se apaixonar pelo tal. O comentário social de aceitar o camarada só porque ele é príncipe fica só enunciado... Além de que esses príncipes que se apaixonam só pela aparência da moçoila são um péssimo exemplo pra para continuar deixando só nos enunciados...
O problema da literatura é não admitir fórmulas, mas pelo menos é possível analisar a arquitetura básica de uma boa adaptação de contos de fadas: responder as perguntas que deixam a história tola, mesmo que com magia; dar personalidade as personagens, princesas que simplesmente caem adormecidas são frustrantes e chatas; desenvolver o romance entre a donzela e o príncipe, no lugar de dar um exemplo idiota de como as pessoas poderiam se apaixonar a primeira vista. No caso da Disney eles ainda assomam uma assinatura que deixa a coisa divertida: animais geniais em papeis secundários provendo comédia; e o estilo de musical.
Mas uma coisa é fundamental, a mesma história tem de ser contada. No caso de Tangled está praticamente tudo da conhecida história de Rapunzel e suas gigantescas tranças... Ampliado e melhorado, com um preenchimento esmerado de cada um dos aspectos da arquitetura analisada. A genialidade de toda adaptação não está no que se conta, mas no modo que se conta. Não basta saber a arquitetura, não basta conseguir enumerar as perguntas é necessário dar boas respostas, e nisso Tangled é primaz, uma lição para todo escritor, talvez mesmo uma lição para cada pai e mãe de como contar sua própria versão ao colocar suas crianças para dormir.

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2010-09-10

Minha querida sogra


Estou escrevendo esta carta, pois preciso desabafar com você. Desde do início do namoro com seu filho Jurandi a senhora e eu sempre nos entendemos muito bem, eu me lembro de quando fui conhecê-la você me recebeu com um terno abraço e muitas guloseimas, que o Jurandi informou que eu gostava de comer.

Senti naquele momento que havia encontrado uma segunda mãe, e o fato de ter sido internada na mesma noite por diarréia não me deixou magoada, sei que tudo o que você fez daquele dia até hoje foi pensando no bem de minha relação com seu filho.
Nos tornamos mais amigas a cada dia, as pessoas até se impressionavam por nossa relação ser estável e sem brigas. Mas a verdade é que cansei dessa vida perfeita! A senhora nunca me critica, acha que tudo o que eu visto e faço é excelente! A verdade é que acho que nosso relacionamento foi uma mentira. Não acredito que você não tenha nada, nadinha contra mim. Já cheguei a imaginar que você planeja algum atentado no dia do casamento, uma vingança fenomenal por todos esses anos de namoro com o Jurandi.
É por isso, por não agüentar mais essa rasgação de seda entre nós, que estou desmanchando o nosso relationship de sogra-nora. Eu sei que não há de fato culpadas nessa história, gostaria de dizer que a admiração por tudo que enfrentamos juntas continua, e que quem sabe um dia possamos ser amigas novamente, mas gostaria que se isso acontecesse você buscasse ser mais transparente comigo, que me apontasse falhas de vez em quando, como os verdadeiros amigos fazem.
É claro que eu amo muito o Jurandi, mas avise a ele, por gentileza, que como não mais a senhora como minha sogra, infelizmente eu também não poderei mais ser a namorada dele. Peço desculpas por não fazer isso pessoalmente, mas acredito que não exista pessoa mais indicada do que a senhora, para terminar nosso namoro.
PS. A Marisa está com uma liquidação de bolsas, caso queira voltar a ser minha amiga em breve podemos ir juntas, me liga!

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2010-08-01

Ensaio sobre a paixão


Crônica publicada originalmente em abril de 2007

Lorelay bateu à porta do quarto do irmão. Ela o ouviu dizendo que podia entrar e colocou a cabeça antes de realmente entrar. Ele levantou os olhos do livro e exclamou:

– Rory!
Lorelay detestava aquele apelido. Fora o irmão que fizera questão de colocar.
– Lorelay é um nome impronunciável por um oriental – ele dissera.
– E por que não com l’s? – ela indagara.
– Ia dar na mesma – ele simplesmente dera de ombros.
Novamente Lorelay foi pedir ajuda a Tobia. Apesar de cinco anos mais velha, ela sempre pedia conselhos ao irmão. Desde o dia que ele nascera ela via nos seus olhos que ele era capaz de entender qualquer coisa. O garoto se mostrara um grande enigma para ela. Quase não chorava quando bebê, mas demorara um tempão pra aprender a falar, embora poucas semanas para aprender a ler. Era uma criaturinha mirrada e encurralada, enquanto ela sempre fora grande para sua idade. Eram opostos que se completavam. Ele era calado e taciturno, embora fosse extremamente doce com a irmã, ela era expansiva e falante.
– Entra logo – ele mandou.

A moça entrou no quarto e o olhou com o olhar que esperava que ele adivinhasse tudo antes dela ter de falar ao garoto os problemas, mas ele não dava o braço a torcer.
– Fale logo, que se soubesse ler pensamentos você ia ser a primeira a saber – ele disse irredutível.
– Você lembra do Sergio? – ela indagou a contragosto.
– Lembro – ele respondeu – Você me disse que estava apaixonada sentada nessa mesma cama, com essa mesma cara de náufraga.
Um olhar cortante perpassou o rosto de Lorelay. O irmão imediatamente pediu desculpas e começou a acarinhar a irmã. Por mais mordaz que fosse ele não conseguia deixar a irmã ferida.
– É que ele não gosta de mim – ela explicou.
– Isso já me parecia claro.
– É que eu pensava que ele gostava de mim – ela tentou explicar – Parecia que ele tinha algum tipo de atração por mim.
– Parecia?
– Sim – ela explicou – Ele pegava em minha mão, dava-me abraços sem motivo, comentava meus adornos, sempre falando comigo, mesmo quando não tinha assunto, preocupado comigo...
– E... – ante o olhar da irmã ele completou – E se ele faz tudo isso por que raios você acha que ele não gosta de você?
– Ele nunca faz mais que isso – ela retrucou.
– Talvez ele seja tímido! – Tobia argumentou.
– Que nada! – Lorelay teima.
Tobia olhou para a irmã. Ele notou que ela não vai se convencer de que a grande batalha que há entre um tímido e o mundo pode estar ocorrendo até no mais articulado dos oradores. Ele resolveu mudar o foco.
– E o que você quer fazer?
– Eu quero esquecê-lo – ela respondeu com muxoxo.
– O melhor remédio para uma paixão é arranjar outra – ele estipulou.
– Mas podem pensar que sou fácil! – ela retrucou.
– Por se apaixonar?
– Sim. As pessoas culpam as pessoas por se apaixonarem quando estão enamoradas, compromissadas, casadas...
– Não. Elas culpam pelo mesmo motivo sob duas facetas: ignorância – Tobia explicou – Ignorância em saber que não deviam julgar... E ignorância em ter medo de ser traído... Se você quer justificar traições, assim sendo você está equivocada. Você tem todo o direito de se apaixonar a qualquer momento. Não vejo um só motivo que pode haver para se trair alguém e cometer um adultério. Somente isto.
– É tão fácil falar... – ela argumentou.
– Se fosse difícil talvez eu não falasse – ele replicou – No entanto, não disse que seria fácil como olhar para o outro lado... Mas me responda: Seu coração manda em você ou você manda em seu coração?
– Que absurdo! Não se pode mandar no coração – ela argumentou.
– Por isso sofres...
– Você não entende nada de paixão! – ela retrucou ríspida.
Tobia pesou que fora ela que fora falar com ele, não o contrário, mas não magoaria a irmã por tão vã razão.
– Vejamos... – ele disse.
“A paixão é um ser que não pode ser auto-suficiente. Ele deve ser alimentado por outrem, se você alimenta sua própria paixão ela provavelmente será egoísta o suficiente para não deixar você ser feliz”.
“A paixão é o objeto da paixão... Não, eles não se confundem. Apenas é assim. Não há paixão sem o que desejar, sem o que amar. É um impressionante estado de espírito em que se experimenta o mundo de forma diferente. É quando o dia parece mais claro e a noite mais estrelada, embora o horizonte possa estar nublado pelas dúvidas. É quando se concorda com todas as canções piegas”.
“É ser capaz de notar o imperceptível. É notar como ela aperta os olhos quando sorri, como as maçãs do rosto enrubescem. É ser capaz das mais esdrúxulas metáforas. Como dizer que esse sorriso dela é como a criação de uma poesia. É se arrepender de toda falta de perspicácia. É o que faz o mais anosmático dos humanos admirar a fragrância de outrem”.
“É ser tangido pelos mais estranhos desejos. É querer tomar banho de chuva, é querer atravessar o oceano a nado. É querer do último beijo ao primeiro sorriso. É animar-se e frustrar-se com um sorriso, dependendo apenas da direção para a qual ele é dado. É sentir o mais vil dos ciúmes, a mais resplandecente das alegrias, a mais frustrante das dúvidas, a mais desalentada esperança”.
– Tobia! – Lorelay exclamou boquiaberta – Você já se apaixonou?!
Tobia apenas sorriu com aquele costumeiro sorriso salgado que intrigava Lorelay.

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